Princesa e mãe
         Estou
para completar 481 anos de idade, alguns dirão; – “Vida longa”, não tão longa
quando se trata de uma cidade, sei de algumas bem mais idosas do que eu; minha
parenta mais antiga é Jericó, fica na Palestina e foi fundada há mais de 13.000
anos, e depois vem em ordem de antiguidade Biblos no Líbano, Damasco na Síria,
Faium no Egito, Sidon no Líbano, Antep na Turquia, Rey no Irã, Jerusalém em
Israel, Atenas na Grécia e a jovem Roma, fundada em 753 a.c., hoje com 2.772
anos.
         Sou
filha de Cananéia, mamãe Cananéia (487 anos) foi dona praticamente de todo o
sul do país, hoje em dia só tem de sua propriedade o lagamar, as montanhas e um
território de 1.242,01 km², sendo que o meu quintal tem 1.997,96 km², é assim
bem maior do que o dela, mas já tive muito mais.
         O
progresso foi me dividindo, a ganância do homem é imensurável; não reclamarei,
como fazem certas mães, do descaso e ingratidão dos filho. Os meus são todos
caiçaras, crias do Vale do Ribeira, a Região mais pobre do Estado de São Paulo.
Meus filhos foram criados de pé no chão, comendo peixe do Rio Ribeira com
farinha de mandioca, dormindo em redes, espantando muriçoca e mutucas.
         Nem
parece que já foram crianças humildes, tem deles hoje em dia, se achando com um
rei na barriga, que o diga Registro, antes tão simples, tão jacu, que no
passado foi roubado pelos fiscais da corte na pesagem do ouro, e agora se dando
ares de Capital do Vale; ora, pois, pois…
         A
última decepção foi com minha filha Maratayama, num rompante se separou de mim,
levando consigo metade das minhas receitas territoriais, dizendo que era seu
dote. As crianças restantes, minha prole, como se dizia antigamente, vivem de
pedir melhorias; minha filhota Barra do Ribeira, é uma barra, reclama de tudo e
de todos, jamais está satisfeita, e olha que a guria é comerciante, não tem dó
de enfiar a faca até o cabo no bolso dos turistas e moradores do bairro.
         Meu
filho Rocio, é um encanto; muito simples, humilde, as pessoas pensam que ele é
meio retardado mental. É ele quem decide quem vai mandar no reino, e ele sempre
escolhe mal, pois aqueles que ele elege jamais o ajudam a sair da pindaíba;
parece que agora está mudando, ruas asfaltadas, uma grande feira dominical, um
posto de gasolina. Meu filho acordou! Estou tão orgulhosa; tomara que não tenha
uma recaída e não volte à apoiar os antigos mandatários, e nem cultive ideias
bobas de separação; nunca esqueça, querido; – Mamãe te ama!
         O
que dizer do restante da filharada? Jairê, Mumuna, Jipuvura, Icapara, Peropava,
Subauma… Pelos nomes já deu para ver que eu era da pá virada, todos filhos de
indígenas e de pais diferente. Tenho ainda Cavalcanti, Pé da Serra, Despraiado
e muitos outros, sem esquecer a indez, a Patrícia que adora ser chamada de
Chácara Patrícia, e mora ao lado de um de seus irmãos, o Engenhos.
         Vida
de Princesa e mãe não é fácil, ainda mais em dias de chuva. O reino
praticamente alagado, a filharada aos gritos pedindo providências, e eu, nem
aí! São quase 500 anos de goteiras, enchentes do Rio Ribeira, água por todos os
lados, afinal eu sou uma ilha. Amanhã teremos um dia de sol, o pessoal vai à
praia, os pescadores vão pescar, os pedreiros pedrejar… Daqui a três dias
todos estarão reclamando do calor, faz parte! 481 anos, e eu tiro tudo de
letra; deixo o tempo passar e a vida florir, afinal, sou a Princesa do Litoral
e mereço ser feliz.
Gastão Ferreira/2019
        
        

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