O encontro com a fera
A
pandemia de Covid esvaziou todas as ruas, o silêncio dominava na escuridão;
gatos vadios namoravam pelos becos desertos, os garotos do mal em suas bicicletas
faziam a entrega noturna das drogas e narcóticos aos usuários da cidade.
Motoqueiros
com suas máquinas ram-tam-tam com os escapamentos abertos acordavam bebês, e
espantavam os serelepes cachorros e o sono dos idosos na quietude da noite.
Era
sexta-feira, uma lua cheia brilhando no céu, o “fique em casa” acabando com a
alegria de viver, um desejo de ar livre, uma vontade de passear a beira-mar…
Peguei a moto e mesmo com receio de ser multado pelas autoridades de plantão,
arrisquei dar um pulo na praia, que estava à coisa de três quilômetros de minha
casa.
A
prateada areia da praia, a lua refletida na imensidão do mar, o cheiro da
maresia, a liberdade absoluta, o vento, as ondas, o sabor do sal… Tudo
deserto, o oceano, as dunas, ao longe um cão solitário correndo pela praia…
Minha
moto estacionada na areia, eu dentro do mar; o cão foi ao encontro da
motocicleta, cheirou, marcou o seu território, olhos vermelhos, uivou para a
lua… Faro fino, ele foi seguindo os meus passos. Ainda bem que eu me
distanciei da moto e fui caminhando a beira mar por uns duzentos metros, depois
entrei na água e por dentro do mar retornei frente ao local onde a moto
estava…
A
fera parou no ponto onde entrei no mar; cheirou o ar como a procurar por mim…
Consegui sair da água e ligar o motor da moto… A fera correu ao meu encontro,
acelerei e ganhei a estrada asfaltada… Cheguei à casa apavorado! Pelo espelho
retrovisor eu sabia que a besta estava me seguindo…
Abri
a garagem e guardei a moto, o lobisomem arranhava a porta da garagem; não
acendi nenhuma luz, fui ao terraço e escondido eu espiei a rua… Uma figura
meio homem, meio lobo estava parado frente a minha casa, farejava o ar… Ganiu
a sua decepção, sua fome de carne humana, se ajoelhou na calçada e tomou à
forma de um grande e negro cão; brilhantes olhos vermelhos me procuravam dentro
noite… Um motoqueiro fazendo entrega de pizza quase o atropelou, o cão saiu
em seu encalço…
Este
foi o meu único encontro com um lobisomem, depois disso, passear de moto tarde
da noite, nunca mais!
Gastão Ferreira/Iguape
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.