Manoel, o primeiro pedinte oficial

 

         No
final de outubro do ano de 1647 nas terras da Juréia foi encontrada a estátua
do Bom Jesus; em dois de novembro do mesmo ano ela já estava na freguesia de
Iguape. A imagem foi colocada sobre uma rocha a beira de um córrego numa fonte
da mata, local de onde os nativos retiravam a água para uso na Vila de Nossa
Senhora das Neves de Iguape.

 

         A
fonte passou a ser conhecida como Fonte do Senhor, e posteriormente por Fonte
de Cima, isto para diferenciá-la da Fonte da Saudade, bebedouro mais antigo de
origem indígena; sobre a rocha, onde a estátua foi colocada para ser lavada, o
povo ergueu um domo; a Gruta do Senhor.

 

         A
Gruta do Senhor passou a ser um ponto de romaria; todo o visitante fazia
questão de levar como lembrança um pedaço da pedra sagrada sobre a qual fora
colocada a estátua, na crença de que a rocha crescia e servia de remédio para
diversos males.

 

         Desde
o encontro da imagem do Bom Jesus os romeiros foram uma constante na cidade.
Até meados do século XX Iguape era praticamente uma ilha; tinha apenas uma
simples trilha para cavaleiros, e o restante dos caminhos eram aquáticos…

 

         Os
visitantes, todos pequenos produtores rurais, vinham em caravanas ao Santuário
do Bom Jesus, aproveitando a ocasião para comprar novidades no moderno Porto
Grande da cidade; gente simples, gente humilde, gente trabalhadora. Nesse tempo
não existia pedinte, mendigos, ou sem-tetos se aproveitando da credulidade do
povo para faturar à custa dos pecados alheios.

 

         No
ano de 1740, 93 anos após a chegada do Santo Protetor, Manoel Correia de Souza
doou todos os seus bens à Irmandade do Bom Jesus, e foi viver na Fonte do
Senhor; ficou conhecido como o primeiro ermitão de Iguape.

 

         O
interessante é que Manoel passou a viver a custa das esmolas dos romeiros que
visitavam a “pedra que cresce”, fez do local a sua moradia, talvez vendesse
lascas da pedra sagrada… Foi nosso primeiro mendigo oficial, nosso sem-teto
número um, e deu origem a uma longa linhagem… Chegamos a ter durante a famosa
e concorrida “Festa do Bom Jesus” mais de duzentos pedintes na cidade.

 

         A
realidade nem sempre é reconhecida, por vezes ela é feia, por vezes ela dói,
ela ofende; Manoel foi visto como um beato, um homem desprendido dos bens
materiais, uma anacoreta, um homem de Deus, quase um santo. Hoje sabemos que a
mendicância em cidades com santuários é uma forma de comércio, um meio de
sobrevivência; a maneira de enganar a fé e não trabalhar o próprio sustento,
que o digam as dezenas de pedintes que enfeitam nossas ruas e praças.

 

         Conta
a lenda urbana que Manoel depois de passar desta para a outra vida foi visto
muitas vezes na Fonte de Cima; o eremita mesmo depois de morto continua
habitando o local e costuma aparecer para turistas desatentos e pedir uma
esmola por amor de Deus.

 

         Essa
é a história de Manoel Correia de Souza, talvez seja lenda a doação de todos os
seus bens à igreja, talvez não! O certo é que abandonou uma vida confortável, e
se possuía riqueza era sinal de que trabalhava; o estranho é que passou a viver
da caridade alheia, a morar no meio do mato… A verdade sobre Manoel, nosso
primeiro pedinte oficial jamais será conhecida, e Iguape permanece o cenário
onde a peça vida é encenada em todas as suas múltiplas formas, comédia, drama,
tragédia; que venham os aplausos, as vaias, a premiação.

 

 

Gastão Ferreira/2021

        

 

          

        

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