Histórias que a
Princesa não conta

Festa de Agosto/2021 –

 

         Dizem
que na véspera da Festa do Senhor Bom Jesus, São Pedro abre as portas do céu e
permite que as almas dos mortos venham curtir a afamada festa; Dona Delma
estava ali, na escadaria da Igreja do Rosário, sentadinha, quietinha, espiado
as novidades e espantada com as modernidades, havia vinte anos que partira de
Iguape, e estranhava o pouco movimento de romeiros…

 

        
“Moça, tem como arrumar dez Reais para eu comprar um lanche?”, perguntou uma
garota toda estilosa.

 

        
“De onde venho, não usamos dinheiro…”

 

        
“E de onde a senhora vem?”

 

        
“Estou chegando agora do Purgatório…”

 

        
“Cheirou o quê, tia? Purgatório não é aquele lugar para aonde vão os mortos
indecisos?”

 

        
“Como assim, indecisos?”

 

        
“Gente igual a mim, nem bom e nem ruim…”

 

        
“Acertou! É de lá que estou chegando. Depois de vinte anos é a primeira vez que
tenho permissão para passar um dia na Terra…”

 

        
“Caramba! Vinte anos e escolhe justamente a véspera da Grande Festa para
passear. Não era para a senhora estar ao lado do seu túmulo, ouvindo a
choradeira dos familiares?”

 

        
“Olha aqui, criança! Eu era da pá virada. Vinte anos sem visitar a Princesa, eu
quero mais é farrear, cair na gandaia, chapar o côco, espiar as barracas; estou
aqui na espera do Supimpa abrir as portas…”

 

        
“Lamento tiazinha! O Supimpa agora é uma igreja…”

 

        
“Pelas barbas do Bonje! Terei de ir ao Alvorada…”

 

        
“Também é uma igreja…”

 

        
“Não me diga! Sem problemas, passo a noite no Primavera…”

 

        
“Fechou há muitos e muitos anos…”

 

        
“Meu Bom Jesus! Jamais pensei em frequentar o Sandália de Prata, mas…”

 

        
“Não existe mais…”

 

        
“Menina! O que aconteceu com a Princesa? Todo o mundo virou crente? Ninguém
mais bebe ninguém mais fuma, não rouba, não dão mais pitoco…”

 

        
“Nada à ver, as noites iguapense continuam calientes, muita droga, sexo e
bebedeiras…”

 

        
“Pelo poder do Santo Sepulcro, protetor dos mortos, vou atravessar a passarela
e dançar até raiar o dia no Rocio…”

 

        
“O clube de lá, também fechou! Desista, tiazinha.”

 

        
“Pelo manto vermelho do Meu Senhor! Acho que terei de frequentar uma igreja e
desistir do Purgatório, e nunca mais voltar exatamente numa véspera de Festa de
Agosto; pelo menos ainda posso matar a saudade de barraquear…”

 

        
“A senhora não sabe, mas esse é o segundo ano sem a festa do Bom Jesus…”

 

        
“Não acredito! Iguape sem a festa não é Iguape, que tristeza!”

        

         – E aí, tiazinha! Vai ou não vai arrumar
os dez Reais?”

 

        
“Já disse que não tenho dinheiro, sou uma visagem…”

 

        
“Visagem ou não, passe a bolsa ou vai levar um tiro na cara…”

 

         Nesse
momento, chocada, Dona Delma desapareceu no ar; a pedinte drogada caiu na
risada e comentou; – “Eu estou nóia, super-nóia. Nem posso contar essa
história, vão pensar que eu estou chapada, e eu sou normal…”

 

 

Gastão Ferreira/2021

        

        

 

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