Dona Josta
Dona
Josta até onde se sabe foi uma excelente pessoa, boa amiga, ótima mãe, dedicada
esposa, filha exemplar; nunca entrou em conflitos com a vizinhança, gente de
fina educação, um tanto tímida, seu esposo diz não se lembrar de um único ato falho
da companheira.
Algo
aconteceu com Dona Josta, o marido e os filhos notaram profunda mudança no seu
comportamento, e tudo começou no décimo mês do “fique em casa”.
Acostumada
a por fé nas informações passadas na tevê, estava apavorada com a pandemia;
álcool gel, luvas, máscara… Ao sair de casa levava uma fita métrica para
garantir o distanciamento correto. Nada de cumprimentar com aperto de mão, dois
beijinhos nem pensar.
O
isolamento mexe com a cabeça das pessoas, somos seres sociais e necessitamos de
mais pessoas ao nosso redor; Dona Josta, antes uma senhorinha sorridente passou
a ostentar uma carranca, a reclamar de tudo e de todos… Chegou ao cúmulo de
esbofetear o moleque Edmar Fofinho só porque ele a chamou de Dona Gerda…
–
Meu nome não é Gerda, é Josta…
–
Desculpa Dona Josta, é que Gerda lembra Josta…
Dona
Josta encheu o guri de pancada, e a partir desta ocorrência ela fez questão de
perturbar, ofender, bagunçar com alguém todo o santo dia… Saía cedinho para
confirmar se todas as atendentes do comércio local estavam usando máscara, e
fazia questão de denunciar as autoridades da Saúde Pública a não observância a
lei.
A
jabiraca parou na porta da padaria, notou que o padeiro, Seu Geraldo, estava
almoçando atrás do balcão; – Pois não, minha senhora! Entre.
–
Só depois de o senhor colocar a máscara, você é um genocida em potencial pelo
que posso observar…
–
Calma! Muita calma. Eu estava almoçando, e é impossível comer com a máscara
tapando a boca…
–
Desculpas, apenas desculpas… Ponha imediatamente a máscara ou tomarei severas
providências contra a sua pessoa…
–
Deixa de ser grosseira mulher! Pois saiba que não colocarei a máscara…
–
Espere a consequência de seu ato vil, genocida…
Meia
hora depois dois fiscais da Saúde Pública chegaram para fiscalizar a padaria,
Seu Geraldo estava usando máscara.
–
Recebemos uma denúncia anônima e viemos verificar…
–
O que aconteceu?
–
O senhor foi denunciado por não usar máscara no atendimento aos fregueses do
seu estabelecimento, mas pelo que notamos a denúncia não procede…
Seu
Geraldo contou da visita de Dona Josta, e perguntou o porquê da fiscalização
levar a sério a denúncia de uma pessoa que teimava em infernizar a vida dos
comerciantes da cidade.
–
Toda a denúncia tem de ser investigada, é a lei… Sorte sua estar de máscara,
pois viemos para lacrar a padaria…
Não
basta o fechamento de inúmeros pontos comerciais, as dificuldades que os
proprietários estão enfrentando para pagar funcionários, aluguel, água, luz,
impostos, e ainda têm que conviver com as Donas Jostas da vida, e podem crer,
são muitas na cidade…
Não
me conformo de uma pessoa sair do sossego do lar para prejudicar alguém, de se
sentir feliz ofendendo, magoando outro ser humano; ah, a pandemia está tirando
tantas máscaras!
(baseado em fatos verídicos)
Gastão Ferreira/2021
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.