Aprendiz de doceira

 

         Estamos
na próspera cidade de Iguape, no ano de 1799, o progresso era visível; três
escravos alugados pelo senhor alcaide eram os acendedores de lampião a
querosene, e se mantinham acordados durante toda a noite, assim como dois sineiros
auxiliares que ficam atentos aos acontecimentos, espiando de sobre as altas
torres da igreja matriz, pois, os ataques de piratas eram comuns durante as
horas de trevas.

 

         Um
dos ofícios mais bem remunerado era o de Sineiro Oficial; o badalador fazia um
curso intensivo na catedral do Estado, aprendia quais badaladas avisavam a
plebe sobre um incêndio, uma morte, a chegada de um visitante ilustre, um
casamento na burguesia… O cargo era tão importante que só era ocupado por um
amiguinho do senhor vigário, ou cupincha do alcaide de plantão, e o homem tinha
direito a três auxiliares, dois trabalhando no horário noturno e um que tocava
os sinos de hora em hora para informar sobre o correr do tempo; naquela época relógio
era raro e coisa de ricos.

 

         A
cidade se preparava para receber condignamente o século XIX; quem nos visitava
ficava embasbacado com as novidades vindas do vasto mundo, afinal, o Porto
Grande era um dos mais importantes do Sul do país. Ruas apinhadas de escravos,
alguns acorrentados, vendendo rebuscados, água na moringa, suco de cajá-manga,
peixe frito, espetinho de sabiá… Índios vendendo palmito in natura, porco do
mato, ervas medicinais e curumins fazendo cocô no passeio público.

 

         Vasos
noturnos, nome chique para os simplórios penicos, eram despejados das janelas
dos nobres sobrados, e coitado de quem andava pela calçada; foi por esse motivo
que o costume de andar pelo meio das ruas começou… Evitar levar um cocô na
cabeça. 

 

         Em
1799 a ciência era um espanto, a bem da verdade ainda não existia vacina, nem
anestesia, nem Melhoral que é melhor e não faz mal; as donzelas sabiam que um
simples beijo engravidava, e que cegonhas invisíveis estavam atentas e prontas
para futuras entregas a um brejeiro piscar de olhos de um mancebo bagaceiro.

 

         Maria
Rita, aprendiz de doceira, foi uma das vítimas de um mancebo sacana; o sem
vergonha teve o desplante de enviar pela ponta dos dedos um beijo à donzela…
Na hora a Ritinha fez uma prece à Nossa Senhora do Bom Parto suplicando que
nenhuma cegonha tenha presenciado a afronta.

 

         O
mancebo de nome Aristides assediava a menina moça Maria Rita, ela não podia
contar para ninguém sobre o que lhe acontecia, nem mesmo ao padre… O senhor
vigário gostava de uma pinga, e quando se excedia ficava contando os pecados
ouvidos no confessionário, e como gostava de um aperitivo o santo homem!

 

         No
desespero Maria Rita fez um bolo confeitado, coisa fina, coisa para quem tinha
eiras e beiras; contratou Ditinho Serelepe, um menino de recado para a entrega
a domicílio… O guri deixou o bolo na casa de Aristides, e ao amanhecer do dia
seguinte os sinos enlouqueceram; toda a família de Aristides Silva e Souza estava
morta.

 

         Chegou
o século XIX, a morte dos Silva e Souza foi para o esquecimento, na época não
existia médico legista; o menino Ditinho Serelepe era um tanto bobinho e nunca
passou por sua cabecinha que a bela e ingênua Maria Rita tenha confeitado um
bolo envenenado…

 

         Ritinha
passou alguns dias aperreada, mas com o passar das semanas se tocou que não estava
grávida, provavelmente Nossa Senhora do Bom Parto teve tempo de desviar o beijo
lançado pelo falecido Aristides… Obrigado, mãe do céu! Ninguém ficou sabendo,
ninguém viu.

 

 

Gastão Ferreira/2021  

        

          

        

          

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