Além da vida

 

         Altamiro
levou flores ao túmulo de sua madrinha Noêmia, o moço nunca gostou de cemitérios,
mas ultimamente sua dinda aparecia em seus sonhos e pedia uma visita… Estava
ali em oração quando uma claridade chamou a sua atenção; havia um brilho sobre
a campa ao lado, a luz solar incidia sobre um caco de vidro e refletia sobre a
foto de quem jazia na sepultura.

 

         Miro
reparou que a campa era de uma jovem; na foto uma bela mulher de longos e
negros cabelos, com um olhar triste de quem já sabia que tinha o tempo contado.
Miro leu o nome na placa de mármore; Isabel Rodrigues Fernandes (+ 09/03/1998 –
15/10/2020).

 

         A
tempestade se abateu sobre a cidade; Miro despertou em meio aos relâmpagos,
raios, trovões, aguaceiro, e sentada na sua cama estava Isabel… A morta da
fotografia! Altamiro gelou. Só podia ser um pesadelo! Uma faísca elétrica caiu
ao lado da casa, e iluminou o quarto; Isabel sorriu.

 

         Desde
criança Altamiro vivenciava os seus sonhos; viajava para lugares desconhecidos,
conversava com pessoas nunca vistas, visitava cidades desaparecidas, falava com
gente morta… Estava num banco da Praça da Matriz, Isabel se aproximou e
sentou a seu lado: – Se eu não tivesse tirado a minha vida, era nesse banco de
praça que você pediria a minha mão em casamento…

 

        
Eu nunca te conheci, Isabel…

 

        
Mas estava escrito que um dia nos encontraríamos…

 

        
Isso jamais aconteceu…

 

        
Não do jeito previsto, mas você me encontrou na foto do cemitério… Não achou
estranho eu estar enterrada justamente ao lado do túmulo de tua madrinha? Foi o
destino quem armou tal encontro… Você é a minha alma gêmea!

 

        
Não pode ser Isabel, num sonho madrinha Noêmia contou que você se matou por
amor… Então, eu não sou a tua alma gêmea!

 

        
Miro, eu fui enganada por um cafajeste! Hoje eu sei que aquilo não era amor
verdadeiro, era uma paixão passageira e que você estava destinado a ser o meu
companheiro…

 

        
Você morreu sem me conhecer, Isabel… Você tirou a vida e parou no tempo, não
pode penetrar no mundo espiritual, e quer me usar como desculpa para permanecer
no mundo da matéria… Nem pensar! Não quero saber de você.

 

        
Não pense assim, Altamiro! Você está criando uma barreira entre nós… Eu te
amo, eu te amo…

 

        
Mentira, Isabel! Você é uma vampira espiritual, usa destas artimanhas para
roubar energia vital de quem se aproxima de sua campa…

 

        
Foi Dona Noêmia quem te contou isso?

 

        
Sim, foi minha dinda… Ela sabe que você levou a loucura alguns jovens que se
apaixonaram por sua bela fotografia, ela também sabe que seus dias de obsessora
acabaram, e que alguém de luz te procura…

 

        
Eu não quero saber da luz, Altamiro! Eu sou escuridão… Adeus, você jamais
saberá o que perdeu…

 

         Miro
nunca mais espiou as fotos nos túmulos; que os mortos descansem em paz!

 

 

Gastão Ferreira/2021

 

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