A última caçada

 

 

         O
mateiro Libório morador das terras da Juréia costumava desde moleque caçar
pacas, tatetos, raposas e outros animais nativos da Mata Atlântica; o problema
nunca foi a caça de subsistência, e sim o exagero na matança de tantos bichos
na floresta. O caçador costumava defumar os animais abatidos, e fazer deles um
grande estoque alimentar…

 

         Gordas
traíras, imensos bagres, robalos, tamanduás, antas, tatus, cutia, capivara, e
até mesmo macacos faziam parte do variado cardápio do Libório. Para quem mora
no meio do mato, e depende do plantio de mandioca, abóbora, feijão, dos legumes
e hortaliças para as refeições diárias não tem o porquê de criar animais
domésticos; basta jogar um punhado de milho no quintal e aparece um bando de
serelepes jacus, e a mistura do dia está ganha.

 

         Animais
silvestres não se reproduzem tão rápido como as criações em confinamento; eles
são o alimento dos predadores do topo da cadeia alimentar, sofrem acidentes,
são picados por cobras venenosas, adoecem… Morrem fácil.

 

         Aqui
na nossa região, no Vale do Ribeira, nas terras da Juréia e Itatins ainda temos
a onça pintada, a anta, a harpia a maior ave de rapina do Brasil, e a caça
desenfreada à tudo que se move na mata pelos indígenas que habitam as cercanias
das cidades; palmito, macaco, quati, veado, tatu… Nenhum bicho ou planta
escapa da culinária índia. Os bichos da mata estão rareando, após a vinda dos
povos indígenas para a região, de uns dez anos para a presente data, ocorreu um
extermínio em massa da nossa fauna; nem bugios se avistam com a frequência de
dantes.

 

         A
história do Libório é anterior a volta dos indígenas às terras de Iguape, então,
na época de Libório ainda havia fartura de caça na Mata Atlântica, e Libório
exagerava na mortandade, mas uma noite tudo acabou…

 

         Libório
voltava de mais uma caçada; vinte paquinhas foram mortas. O caçador caminhava
lentamente sob o peso das carcaças; mata fechada, passo a passo na picada,
atento as cobras, as onças, aos inúmeros perigos da floresta… Um suspiro, um
murmúrio, um soprar de palavras no vento… Um vulto em meio à escuridão.

 

         Cabelos
desgrenhados, apenas um dente, ela segurava um bastão; a velha estava parada
bem no meio da trilha, e olhava fixamente para o caçador… Libório gelou!
Nunca levara a sério os causos de alma do outro mundo, visagens, espíritos da
mata, mas ali na sua frente algo desconhecido o encarava, o vigiava, e o apavorava.

 

         A
figura apontou para as caças mortas, fez um sinal negativo com o dedo em riste,
seus olhos brilhavam nas trevas, e apenas uma palavra foi dita; – Cretino!

 

         A
visagem desapareceu no ar, a velha ficou invisível… E da escuridão chegou o
som de algo se deslocando na mata; Libório sem poder se mover, parado na
trilha, e num repente saindo de lugar nenhum explode bem na sua cara um cacho
de banana podre… Bananas fedendo, bananas passadas, bananas fétidas.

 

         Libório
nunca encontrou uma explicação para a visagem, para a alma penada, mas aprendeu
a lição e depois do ocorrido só caçou apenas o que podia consumir; parou com a
matança predatória, e até mesmo resolveu criar algumas galinhas soltas no
quintal. Nada como uma humilde assombração para nos mostrar que devemos
respeitar todos os seres vivos; Libório aprendeu a sua lição.

 

 

Gastão Ferreira/2021

          

(História passada ao autor pela neta do
Seu Libório da Juréia)

          

        

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