A sombra

 

         Desde
que se conheceu por gente Emílio compartilhou a sua vida com ela; é verdade que
jamais soube o seu nome. Ela foi o seu amiguinho invisível, gostava de contar
suas histórias ao guri, algumas reais outras inventadas.

 

         As
pessoas ficavam admiradas com o conhecimento da criança; – “De onde será que
esse pequerrucho tira tanto converse?”, se perguntavam…

 

         Emílio
cresceu, estudou, se formou… Passou por muitos aperreios, e graças à
companhia da Sombra se manteve no caminho certo, nada de drogas, nem
desonestidade… Com o decorrer da vida Emílio acreditou que a Sombra fosse o
seu Anjo da Guarda, seu Guia Espiritual, um Espírito Protetor, mas toda a vez
que era questionada a respeito à Sombra desconversava, e nada respondia…  

 

         A
Sombra e Emílio se tornaram os melhores amigos, dividiram risos e lágrimas,
vitórias e fracassos, provaram da dor, do desprezo, caíram em muitas
armadilhas; conheceram gente boa, gente ruim, gente indecente, pessoas para
serem levadas no coração, pessoas para serem largadas, esquecidas,
abandonadas…

 

         A
vida foi passando, e Emílio envelheceu; todos os seus filhos criados, um dia a
Sombra falou que faria uma curta viagem, se afastaria por um tempo, mas que
voltaria, e na volta diria a Emílio qual o seu verdadeiro nome… Pediu ao
amigo que tivesse muita calma, pois ambos necessitavam de um tempo para
caminharem sozinhos…

 

         Para
Emílio foi um período de muitas dúvidas, sentia-se perdido sem os conselhos da
amiga invisível… O tempo foi passando, e uma doença bateu na porta vida;
Emílio ficou acamado por meses, sentia falta da Sombra, definhava lentamente,
precisava de muitas respostas sobre o outro lado…

 

         Acordou
na madrugada, e na penumbra do quarto divisou a Sombra, ela sorriu e
estendeu-lhe a mão; o coração disparou uma dor no peito, uma falta de ar, um sufoco…
Conseguiu a custo murmurar; – “Você voltou! Por favor, diga-me o seu nome!”

 

        
Te acompanho desde o nascimento, te conduzi pelos caminhos da vida, creio que
fui a tua melhor amiga, nunca te magoei, provaste do meu abraço em todas as
horas amargas, e agora eu vim te buscar para uma nova jornada…

 

        
“Ah, eu sabia! Você é o meu Anjo da Guarda?”, Emílio perguntou emocionado…

 

        
“Não, Emílio eu sou a Morte!”, disse a Sombra

 

        
“A Morte! Eu compartilhei toda a minha vida com a Morte?”

 

        
“Sim! Todos os seres vivos desde o seu nascimento compartilham de sua breve
existência com a Morte… Eu sou a porta da chegada, e sou a porta da saída…
Do nascimento ao túmulo eu vigio; hora de conhecer a realidade… Não tenha
medo, venha comigo! A tua jornada acabou, hora de voltar para casa… Venha!”

 

Gastão Ferreira/2021

        

 

 

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