Espancada pela visagem

 

         Festa
de Agosto se aproximando, a proibição de ônibus, cavalos, charretes, barcos,
lanchas e aviões continua valendo, será mais um ano sem barracas, sem
procissão, e sem pedintes de outras freguesias; aqui no sítio nenhuma novidade,
todos os humanos continuam usando máscara, ninguém se abraça, e a distância
exigida por lei é mantida.

 

         Ah,
é verdade! Tem novidade sim… Um romeiro desavisado foi obrigado a deixar o
seu burro de estimação aqui no bairro; o quadrúpede se chama Osório, e ainda é
um asno adolescente…

 

         Osório
fez amizade com o nosso pessoal, ele adora contar histórias, acho que é um
senhor de um mentiroso… Espiem a lorota que ele inventou, mas jura que é
verdade e que o causo aconteceu realmente…

 

         Na
cidade onde Osório reside aconteceu que uma madame muito conhecida por sua
excelente índole, figura carismática e caridosa, daquelas que não podem ver um
cão solitário passeando na rua e que já posta nas redes sociais “um doguinho
perdido! Alguém conhece? Foi visto frente a Padaria Pão do Dia espiando as
guloseimas da vitrine…”

 

         Esta
boa alma, de nome Marion, coração puro, sem maldade e samaritana por opção
tinha a mania de criticar a todos e a tudo, nas conversinhas das lanchonetes
chiques, dos saraus noturnos, das festinhas da burguesia era sempre o prato
principal, a palavra mais leve para a sua pessoa era megera…

 

         Sua
casa antiga de altos muros, portão com câmeras de segurança, com portas com
traves importadas, dois mastins cuidando do pátio, tudo sob controle…
Impossível de ser invadida e assaltada, mas na calada da noite algo
aconteceu…

 

         A
madame acordou dolorida, ao seu lado o marido dormia qual um anjo, ela
despertou o homem; – “Meu Deus, Marion! O que aconteceu? Você está toda
machucada, olho roxo, nariz quebrado, faltando dois dentes, face arranhada…” 

 

        
Nem imagino o que me aconteceu! Não me lembro de nada… Você roncava que nem
um leitão desmamado, eu assistia a um filme de terror… Parece que alguém saiu
de dentro da parede, colocou um pano embebido em clorofórmio no meu rosto e eu
apaguei…

 

        
Vamos ter que inventar outra história, ninguém vai acreditar em você!
Provavelmente irão me culpar. Como não acordei com as pancadas da visagem? Como
você não se debateu e quebrou algo na casa? Melhor ligar para a emergência do
Pronto Socorro…

 

         No
ambulatório madame Marion preencheu a ficha de entrada; 50 anos, pensionista do
Estado, viúva do policial Flávio Duarte… Flávio Duarte o homem que matou o
serial killer Maéco de Ogum, o famigerado monstro que desfigurava suas vítimas
antes de matá-las, o bandido que morreu prometendo vingança contra amigos e
familiares do policial que o baleou…

 

         Toda
a cidade ficou sabendo do fato insólito; madame Marion foi espancada por uma
visagem, e procurou socorro porque o espírito de seu marido assassinado assim
pediu…

 

         Aplaudimos
a história, o burro Osório ficou feliz, mas no fundo ninguém acreditou que uma
visagem espancou a mulher; se fosse um lobisomem, tudo bem! Mas visagem, eu
hem.

 

 

Omisso, um cão rural

 

Gastão Ferreira/2021

 

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