Das janelas do Palácio
Real

 

         Coisas
estranhas sempre aconteceram no reino, as conversas de alcova, tidas pela santa
madre como secretas e sagradas, se espalhavam, sem mais nem menos, por todos os
becos, barbearias, bocas de fumo, antros de perdição, conventos, igrejas e
salões de festas, e foi assim que a plebe vil ficou sabendo da reunião, quase
sigilosa, da Princesa do Litoral com seus colaboradores mais próximos.

         Os
colaboradores mais próximos, eram todos aqueles que podiam se utilizar das
carruagens Reais para lazer e trabalho, maltratar os cocheiros, xingar os
pedestres, dar carteiraço no zé povinho, comer, beber e se divertir à custa dos
impostos dos pobres, pobres de maré, maré, e se sentir a última tainha com ova
do Mar Pequeno.

         Todos
os súditos sabem que o sagrado lema de nossa amada e honestíssima Princesa,
foi, é, e será sempre; – “Não roubar e não deixar roubar.”, aconteceu que um
desconhecido pichou no muro externo do palácio, em letras garrafais; – “Não! Roubar?
Não! Deixar roubar?”, quando a Princesa estava vistoriando a propriedade Real e
anotando os estragos causados pelas chuvas, viu a pichação e teve um
saricoticos; – “Josephus! Josephus! Congregue o conselho imediatamente, e mande
Odalisca aprontar a sala de reuniões.”

         No
palácio foi grande a azafama, a apressada preparação dos quitutes, dos comes e
bebes, da tábua de frios & quentes, dos vinhos, das catáias, das
caipirinhas, e demais aperitivos; as carruagens chegavam com os altos
mandatários do reino, algumas das excelências faziam questão que a plebe vil, sempre
querendo bajular um poderoso, beijasse as suas mãos, e teve uma excelência que
se achando mais excelência do que as demais excelências exigiu que um cortesão
se ajoelhasse e osculasse seus dois pés; das janelas do Palácio Real, a
Princesa observava e anotava tudo o que ocorria.

        
no início da reunião o bicho pegou; madame Nini, esposa do encantador mancebo,
“el cantante”, quebrou o protocolo e num acesso de puro puxa-saquismo, pediu à
seu adorável marido que saudasse a Princesa com a linda melodia “Saudades da
Princesa”, de sua autoria, no que Odalisca, a famosa “cachinhos quase
dourados”, e amada dama de companhia da Soberana, se sentiu humilhada e não
gostando de ser passada para trás, bem na frente dos demais conselheiros, tascou
uma cotovelada em madame Nini, que acabou derrubando um lindo arranjo de
Lagostas Imperiais importadas.

         Madame
Carolaine, proprietária da casa de pastos & repastos, amicíssima da
Princesa e da charmosa Odalisca, era a responsável pelos rega-bofes, bota-fora,
e comilanças Reais, e de puro susto, pois era extremamente sensível, deu um
horrendo grito. Tão horrível que os cento e vinte servidores do palácio, que
tentavam ouvir as conversas da sala de reunião, por detrás das portas
trancadas, ficaram mudos de espanto. 

         A
Princesa estava fula da vida, e todos sabiam que ela era a única dona da caneta
que assinava o cheque mensal de pagamento das mordomias, e que garantia a boa
vida na corte; que ela era poderosa, que possuía inúmeros espiões, puxa-sacos,
lambe mão, e lambe outras coisas. Então era melhor ficarem calados, ouvir em
silêncio a bronca, fazer cara de nuvem, pois no reino tudo é possível de
acontecer, tudo é normal e tudo passa, e tudo se esquece rapidamente… Foi
quando a amada e idolatrada Princesa falou; – “Quem foi o infeliz que escreveu
no muro do Palácio Real que eu roubo e deixo roubar? Quem foi?”

         Odalisca,
a dama dos cachinhos quase dourados, ficou lívida; – “Como assim? Logo Vossa
Majestade, a alma viva mais honesta do reino! Eu li a pichação e não vi nenhum
motivo para apreensão…”

        
“Como não viu, sua apedeuta! Não sabe interpretar um simples texto? A pichação
diz sim, que nossa líder rouba e deixa roubar, uma afronta a coroa! E você,
Odalisca, é a plebeia mais próxima do trono, está escondendo algo, sabe de algo?”,
perguntou Josephus, o poderoso secretário da Princesa.

         O
silêncio era quase palpável, até mesmo a respiração ofegante dos cento e vinte
servos que escutavam a muvuca por detrás das portas, podia ser ouvida… E foi
então que alguém apagou as luzes, e gritou em alto e bom som; – “Rouba, sim! Eu
sei e posso provar.”

(Fim da primeira parte)

 

Gastão Ferreira/2019

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