A mandinga

 

         A
Princesa do Litoral sempre foi prodiga com as pessoas ligadas aos sortilégios.
Aqui viveram grandes “benzedores”, aqueles que curavam qualquer doença com
garrafadas, e foi por estes confins que morou a maior de todas as cartomantes
do Vale do Ribeira; Nhá Chica.

         No
tempo em que todas as ruas eram de terra batida, ou puro areão. No tempo dos
carroceiros no entorno da Praça da Matriz; aqueles nhonhôs que transportavam as
compras dos grandes armazéns de secos & molhados, aqueles que após a Casa
Morais abrir as portas ao respeitável público, já estavam de prontidão para
entregar as compras. Algo muito estranho ocorreu.

         Foi
por esse tempo que a menina Andressa fugiu de casa, na verdade a fuga da casa
paterna era algo normal naquela época, mas só acontecia com filhas de pobre, e
Andressa era filha da fina flor da sociedade em flor. Andressa sumiu,
desapareceu sem deixar rastro; a última pessoa que viu a guria, foi Dita Coió;
diz que a mocinha estava na fila da confissão da missa das seis da manhã, mas
quem podia acreditar numa palavra de Dita Coió? A mulher, segunda diziam, já
fora raptada por um disco-voador, estuprada por uma visagem nas ruinas da
Porcina, e o mais inacreditável, passado uma semana na cidade de Santos.

         Andressa
foi vista no bairro Pedrinhas na Ilha Comprida, depois perto de Subauma,
andando no acostamento da estrada para Pariquera, e também atravessando o Rio
Ribeira de balsa, na Ponte do Mathias. O interessante é que todos que a
avistaram não disseram um “bom dia” à moça, e todos sabiam de seu
desaparecimento.

         O
sumiço da adolescente marcou época, as fofocas corriam de boca em boca; fugiu
com o palhaço Pimpolho, o ladrão de muié. Foi se alistar na Marinha Mercante, foi
raptada por serracimanos e vendida como escrava sexual. As amiguinhas tinham
sonhos eróticos com a fofoca da venda para ser escrava sexual.

         A
família estava desesperada, nem a polícia conseguia achar uma mínima pista da
vivente, e foi então que alguém lembrou de Nhá Chica. A vidente tinha a fama de
não errar, parece que na juventude fizera um pacto de sangue com um demônio;
uma bruxa, segundo as más línguas. Na verdade, Nhá Chica era uma humilde
cartomante, benzedeira de cobreiro, espinhela caída, dordolhos, tripa virada,
olho gordo, uma especialista nos pequenos incômodos que atrasam a vida de um
valente caiçara.  

         Nhá
Chica pediu uma foto de Andressa e uma roupa usada pela moça; – “Tem cara de
biscate”, murmurou. A cartomante fez uma reza brava, e a resposta chegou; – “A
menina passa bem. Se enrabichou por um pescador, está na zona rural, mais
precisamente na fazenda “Boi da Cara Preta”, no bairro do Jairê, e está
grávida.”

         Pois
não é que Nhá Chica acertou tintim por tintim! O pai de Andressa foi de canoa
até o Jairê, e lá estava Andressa, grávida e infeliz. Infeliz? Como assim? Ele
fugiu por amor! Que será que aconteceu?

         A
menina moça, mimadinha, no sitio não encontrou moleza; aprendeu a duras penas à
consertar peixe, buscar lenha no mato, tirar água de poço, matar galinha,
cozinhar, lavar e passar, e limpar a casa, além de arear as panelas; vida de
escrava, vida de rainha do lar. Deu graças ao Bonje quando o seu pai apareceu,
e a levou embora.

         Andressa
não casou com o pescador, ela teve gêmeos e a família espalhou na cidade que a
moça casara secretamente com um nobre francês, e que ele morrera afogado no Rio
Ribeira, uma semana após as bodas; tadinha da Andressa! Um ano depois, ela
casou sem véu e grinalda com o Doutor Arturo, jovem e promissor advogado,
morador de um do mais belo casarão da cidade; é tida como uma dama de reputação
ilibada, e muito querida na alta sociedade.

         Nhá
Chica, depois de desvendar o misterioso casa da “moça desaparecida”, ficou
ainda mais famosa. Ganhou um bom dinheiro para ficar de boca fechada sobre o assunto
Andressa. A família da moça nunca ficou sabendo que Nhá Chica era tia do
pescador, e que ela não se conformava com a escolha errada do rapaz. O bom, é
que nem foi necessário uma mandinga para separar o casal; ah, o amor! Como cega
as pessoas.

 

Gastão Ferreira/2019 

     

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