O segredo dos Amorim Fernandes
O
coronel Desidério manteve a sua palavra e jamais revelou o segredo familiar,
aliás, guardou o mistério por pouco tempo, pois morreu alguns meses após
encontrar os dois sobrinhos; ele partiu sem deixar herdeiros, e nhá Damiana,
sua mãe, assumiu a chefia da ilustre casa dos Amorim Fernandes.
Andressa
e Fabiano, os netos de nhá Damiana tiveram uma infância feliz; moravam num
sobrado senhoril com eiras, beiras, e tribeiras. Fabiano passava dias na grande
propriedade rural da família, gostava da companhia do negro Gregório, o escravo
mais idoso da herdade.
Gregório
ultrapassara os cem anos, na sua juventude foi o melhor amigo de Antero Amorim
Fernandes, o bisavô de Fabiano; as pessoas estranhavam a amizade entre senhor e
escravo, mas o que ninguém sabia é que um terrível segredo unia os dois
viventes.
Os
adolescentes Antero e Gregório estavam caçando na floresta, foram atraídos pelo
assobio de um Saci, “tô aqui”… “tô aqui”! E acabaram se perdendo na mata…
Os dois meninos encontraram uma caverna para passarem a noite; era noite de lua
cheia, e a caverna era o covil de um lobisomem.
Quando
a besta-fera encontrou os dois garotos dentro de sua gruta os atacou
imediatamente, os meninos eram valentes e sabiam se defender, eles foram
arranhados e mordidos, mas espantaram o imenso cão preto para os cafundós da
selva.
Os
miúdos voltaram para o sítio, só uma pequena marca restou como lembrança da
escaramuça com a fera, um negro tridente bem na altura do coração…
Era
noite de lua cheia, e lá estavam os dois pescando na margem do rio, quando a
imensa lua saiu por detrás das nuvens, Antero olhou para Gregório e o amigo
estava se transformando em um cão, e o mesmo acontecia com ele… Foi a
primeira vez que viraram lobisomem.
Quando
Antero foi morto por uma bala de prata, foi necessário muito ouro para encobrir
o segredo dos Amorim Fernandes, seu filho Eduardo Roberto nasceu com a marca da
fera, mas seu neto Desidério não possuía o sinal.
Gregório
notou o sinal no peito do menino Fabiano, o garoto acabara de sair do banho no
riacho; -“ A marca da fera! Um jovem lobisomem está a caminho. Devo preparar o
guri para enfrentar o seu negro fado.”
Fabiano
era um bom moço, atencioso, ferrenho defensor da libertação dos escravos,
órfão, passava mais tempo na zona rural, pois sua avó Damiana, adorava açoitar
escravos, aliás, era o seu passatempo favorito…
Foi
devido a este estranho divertimento, flagelar cativos, que Fabiano e sua irmã
Andressa descobriram o segredo dos Amorim Fernandes… Vovó Damiana esbofeteou
o negro Gregório, assim sem nenhum motivo, bateu por puro deleite, prazer em
causar dor… A fera que dormitava dentro do escravo surgiu, e de um só golpe
decepou a cabeça da velha sinhá; com o susto tanto Fabiano como Andressa se
transformaram de imediato em bestas-feras, e os três juntos uivaram sua revolta
para a imensa lua que clareava o pátio da casa rural.
A
morte de nhá Damiana foi atribuída ao ataque de uma onça, ela foi enterrada com
todas as honras de uma ilustre Amorim Fernandes, o senhor vigário acompanhou o
enterro e afirmou que nhá Damiana, alma pura e caridosa, neste momento se
encontrava sentada ao lado do Pai, e que Jesus a recebera de braços abertos em
seu reino de amor.
Fabiano
era o último puro sangue dos Amorim Fernandes, herdeiro da imensa fortuna
familiar. Ele alforriou todos os escravos, sua irmã Andressa era a senhora do
sobrado senhoril da cidade, e Fabiano o dono das terras de seus antepassados…
Quando
Andressa completou dezoito anos apaixonou-se por Astério Rodrigues, um moço
muito bem apessoado, exímio violeiro, morador das terras de Itatins; o mancebo
carregava um terrível fardo, uma herança secular que se perdia no tempo, mas
isso já é outra história…
Gastão Ferreira/2020
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.