A galinha preta

 

         Duvido
que alguma cidade brasileira tenha tantas lendas urbanas quanto a Princesa do
Litoral, nossa pacata e linda Iguape; seus casarões do século XVII e XVIII
lembram os tempos de luxo do período colonial, a coleta de ouro em seus rios, o
ciclo do arroz, seus engenhos e suas senzalas.

 

         Iguape
possuiu o segundo maior porto do Brasil, coisa de antigamente, quando o Porto
de Santos ainda era um portinho sem grande significado; ela em breve completará
482 anos bem vividos.

 

         Quando
o lagamar e a magnífica foz do Rio Ribeira ficaram assoreados, Iguape perdeu o
seu belo porto, os endinheirados abandonaram a cidade, e a decadência chegou de
mala e cuia…

 

         A
Princesa, nome carinhoso pelo qual os seus filhos a chamam entrou em depressão,
ela tão formosa passou décadas choramingando o leite derramado, quase morreu de
inanição, mas, um belo dia acordou, deu a volta por cima, e foi a luta… Virou
cidade turística.

 

         Dezenas
de bairros rurais, cada qual com sua capelinha, sua festa religiosa, suas quermesses,
igual ao tempo de dantes; tem praia de mar, tem praias de água doce, tem
cachoeira, e pesqueiros, grandes plantações de chuchu, pepino, banana, pitaya,
maracujá, aipim e mandioca… Ah, sim! A pesca artesanal atrai pescadores de
todo o Estado de São Paulo.

 

         Cada
bairro rural tem seus causos, suas lendas; lembre-se são quase quinhentos anos
de história, se bem que há mais de seis mil anos já existia viventes andando e
caçando por estas paragens. Os formadores de sambaquis deixaram a sua marca nas
centenas de ostreiras espalhadas na região.

 

         Visitas
ilustres passaram por aqui; piratas, portugueses, espanhóis, negros africanos,
índios escravizados, gente de sangue ruim, gente boa, gente malvada, gente que
roubava e escondia tesouros.

 

         Conta
a história que os piratas infernizaram Iguape; coitada! Teve até de mudar o
centro da freguesia. A foz do Rio Ribeira foi famosa pelas escaramuças, e a
menos de mil metros da foz do Ribeira, temos a foz do Rio Suamirim, o último
tributário do Ribeira… Ali, no despraiado, até os dias atuais algo de muito
estranho costuma ocorrer.

 

         Nas
estradinhas de areão, aquelas picadas que cortam o manguezal, vez por outra os
ribeirinhos costumam notar uma galinha preta e seus pintinhos se refestelando
na areia; nem chegue perto, é fria!

 

         Normalmente
a galinha preta é avistada longe da aldeia, distante das casas; é uma galinha
sem dono, os pintinhos nunca crescem… Quando avistam pessoas fazem a maior
algazarra, e correm para o matagal… Coitado de quem entrar na mata!

 

         A
lenda urbana conta a história de um terrível corsário que por ali passou, e em
algum lugar perto da margem do Rio Suamirim enterrou um fabuloso tesouro; coisa
de pirata! Ouro, prata, marfim, moedas… A galinha preta e seus pintinhos
foram sacrificados e deixados como guardiões do butim; a penosa sabe exatamente
onde o tesouro está enterrado.

 

         Tem
mais de duzentos anos que a galinha preta é vista no despraiado, e todos
aqueles que resolveram averiguar a autenticidade da lenda sofreram na pele o
preço de sua tola curiosidade; uma valentíssima surra de cipó timbopeva…

 

         Quem
tem o azar de se encontrar com a galinha preta, o que ocorre sempre um pouco
antes do meio-dia, nota que ela e seus pintinhos correm para a mata, caso o
curioso vá atrás para ver onde ela se esconde, sempre acaba se perdendo no meio
do manguezal, e o pântano não perdoa; mosquito pólvora, mutucas, cobras
venenosas, caranguejo e suas garras…

 

         Se
o vivente escapar de todas estas armadilhas ainda tem a surra de timpopeva; eta
cipó dolorido! O curioso apanha assim do nada, não enxerga nada de estranho,
não vê ninguém; a pessoa sai toda lanhada, machucada, marcada para o resto da
vida, e nada viu de verdade, a galinha simplesmente sumiu, e quando o infeliz
acha de novo o rumo, a cretina da galinha preta está novamente toda pimpona
ciscando na estradinha de areia. Até hoje ninguém achou o tesouro do pirata;
quem se atreve?

 

 

Gastão Ferreira/2020

          

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