A CIDADE DAS CARAPUÇAS

A CIDADE DAS CARAPUÇAS



História verídica ocorrida na França, Ano Domine 1.100. Anotada por Tristan de Ycaparrá e traduzida do francês medieval pelo autor do texto.



I – YCAPARRÁ

“No pequeno burgo francês de Ycaparrá, no ano mil e cem de Nosso Senhor e Salvador, passou-se um fato inusitado, o qual chegou ao meu conhecimento através do bobo da corte de sua majestade Fedegunda I, Consorte Real e sem sorte na vida prática.

Neste ameno e quase desconhecido local todos os vassalos e nobres usavam carapuças, assim fora determinado pelo alcaide do rei. As lojas mantinham estoques apreciáveis de tal vestimenta, pois desde o berço deviam ser utilizadas, e, como criança cresce muito rápida a troca de carapuças eram constantes. Se bem que as pessoas da plebe vil usavam a mesma carapuça a vida inteira. As dos nobres eram douradas, indicando poder e algumas salpicadas com purpurina para indicarem outras coisas. Os puxam sacos colocavam carapuças até em cães vadios.



II – A CARAPUÇA

Um belo dia uma carapuça foi encontrada num banco de praça. Os aldeões curiosos a examinaram e comentavam entre si:- De quem será tal carapuça? Será do peixeiro?

– Não! Do peixeiro não pode ser, pois não tem cheiro de peixe.

– Será de algum protegido do alcaide? Também não, não tem vestígio de baba e eles vivem se babando a toa.

– Será do senhor vigário? Nem pensar, ela não parece nada com uma santa carapuça.

Ficaram assim horas e horas, esquecidos de seus afazeres, tentando colocar a carapuça em alguém, quando perceberam que um terrível bando de bárbaros havia saqueado o burgo.





III – O ALCAIDE

O alcaide e seus mosqueteiros, armados até os dentes com seus mortíferos mosquetes em vez de perseguirem os famigerados bandoleiros começaram a bater nos fofoqueiros (tradução aproximada do termo frufruquéle. Francês medieval não é fácil!) e entre gritos e impropérios exigiram que cada um dos presentes no local experimentasse a carapuça, sob pena de ser enforcado se assim não o fizessem.

Todos os aldeões vestiram a carapuça que não serviu em nenhum deles. Iniciou-se um zum zum zum para que os nobres também passassem pelo mesmo teste. Os plebeus formavam uma multidão e o alcaide que não era bobo, apenas idiota e metido a besta, enviou seus famigerados mosqueteiros na captura dos nobres.



IV – OS NOBRES

Nenhum nobre foi encontrado em suas nobres casas, pois enquanto a cidade era saqueada, os mais nobres entre os nobres participavam de uma reunião secreta planejando aumentar impostos, outros enterravam seu ouro rapinado em negociatas e maracutaias e muitos outros haviam viajado a custa dos suados impostos dos pobres súditos até o palácio do rei ou a outras freguesias em distantes terras dizendo que estavam a serviço da plebe, quando na verdade estavam mesmo era turistando.



V – O PEREGRINO

Os mosqueteiros, temerosos de voltarem à presença do alcaide sem um dono para a carapuça, encontraram um maltrapilho alcoolizado recém chegado de uma peregrinação a Terra Santa e que por La adquirira o nefando hábito de ingerir alcalóides e num rompante de autoritarismo vestiram nele a carapuça. Bateram tanto no caminhante que a carapuça acabou servindo e o levaram a presença do alcaide que imediatamente mandou enforcá-lo.



VI – O CAÇADOR

O peregrino ainda estava debatendo-se na forca quando adentrou a praça, esbaforido, um jovem caçador que aos gritos perguntava:- Alguém encontrou a carapuça da minha avó que perdi?

Esta história foi cantada em toda a França pelos menestréis por ordem Real, para que plebe vil, nobre e vassala ficasse ciente que toda a carapuça tem dono e que não há necessidade de matar alguém quando queremos vesti-la forçadamente. Basta dar tempo ao tempo que o dono se manifesta. ”Tristan de Ycaparrá/France/1.100AD.”



Gastão Ferreira/Iguape

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