Por mais de quatrocentos e cinquenta anos a minha rua só conheceu areia; a Rua
Capitão Dias começa na parte de trás da Igreja Matriz, e praticamente por quase
quatro séculos teve apenas duas quadras de extensão e depois casarios antigos em
cada quadra com sua vivenda senhoril feita de pedras e óleo de baleia.
Na verdade as casas patriarcais naquela época ocupavam um quarteirão inteiro com
suas criações de porcos, galinhas, horta, pomar, senzala; na Rua Capitão Dias
não passavam de quatro, o que acrescentava mais três esquinas a bela rua, e
depois apenas mato e taquaral…
Nas duas primeiras quadras ficavam os casarios do pessoal remediado, os ricos
moravam no entorno da Praça da Matriz, e os muito ricos nos casarões fora do
centro histórico da cidade.
O coronel Juvenal Fontes possuía uma vaca leiteira, era comum aos muitos ricos
terem em suas propriedades na cidade uma vaca para obter o leite diário… A
vaca vinha da zona rural com seu bezerro, e era sempre trocada assim que o
novilho desmamava…
O povo acordou assustado; muita correria, gritos, tiros de garrucha durante a
noite… Uma fera rondou a cidade, não apenas espiou as casas, os galinheiros,
os chiqueiros, mas matou o bezerro do Coronel Juvenal… Seus escravos saíram
no encalço da fera, e Raimundo de Ogum feriu o animal bem na perna esquerda…
Os cativos contaram que o bicho era um grande e negro cachorro, e que na escuridão
se escafedeu para os lados do matagal existente no final da Rua Capitão Dias…
O falatório durou o dia todo e a noitinha já se sabia que a besta era um
lobisomem…
As pessoas tinham pavor de lobisomem, aliás, não só da besta-fera, mas também de
visagem, alma do outro mundo, de assombração, Sacis, Curupiras, vampiros e
outros monstros que habitavam a escuridão… A cidade era cheia de histórias, e
todas acabavam mal para quem desafiava tais criaturas…
Na época a Rua Capitão Dias que na verdade tinha outro nome ficou famosa, e a chamavam de
“a rua do lobisomem”, pura bobagem, pois ninguém ficou sabendo da identidade
humana da besta, quem ficou mal afamado por um bom tempo foi Ditinho
Mamangava… O rapaz apareceu com um ferimento feio na perna esquerda e a
justificativa não era das melhores…
Ditinho jurava que despencou de um pé de cajá-manga e machucou a perna… O caiçara é
esperto e logo se tocou que não era época de colher cajá-manga, e tanto
perturbaram Ditinho Mamangava que o moço foi obrigado a se mudar para o
Icapara…
O lobisomem desapareceu por um bom tempo, mas numa sexta-feira de lua cheia, noite de maré
de lua outro bezerro foi estraçalhado pela fera… O lobisomem não podia ser
Ditinho Mamangava, ele morava no distante Icapara…
O coronel Juvenal foi até o Icapara pedir desculpas ao rapaz, o interessante é que ele
passou por uma canoa igual a que ficou ancorada a tarde toda no Porto Grande, e
que sumiu após o ataque do lobisomem, e a canoa era de Ditinho Mamangava.
Gastão Ferreira/2022
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.