No município de Xapralá no agreste pernambucano o coronel Ludugéro mandante do lugar resolveu testar um moderno sistema de monitoramento para segurança em tempo real. A firma responsável, em absoluto segredo fez uma seqüência de imagens em diversos pontos da cidade e convidou autoridades e membros da população para apreciarem o trabalho e alugou um cinema local.
O povão acomodou-se no chão e nas últimas fileiras de cadeiras rústicas, ganhando cada convidado um saquinho de pipoca com farinha de mandioca, costume regional esse de comer pipoca com farinha. As autoridades devoravam canapés vindos diretamente da “Pousada Recanto dos Calangos” e madames disfarçadamente enchiam suas bolsas com os requintados petiscos.
Nanny Aparecilda, secretária do coronel Ludugéro, moça prendada e versada na arte de angambelar fez um pequeno discurso:- Povo do agreste é com emoção que abro meu peito para anunciar a chegada do progresso a nossa cidade. Palmas para o coronel Ludugéro! O propósito dessa filmagem é catar os sem vergonhas, os malandros, os pichadores, os vagabundos e inúteis que aviltam nosso páramo (Nanny falava bonito porque estava fazendo faculdade paga pelo coronel). Mais palmas para o coronel!Prestem atenção na película:- Película é o mesmo que filme, hem pessoal! Não esqueçam película e filme é a mesma coisa. Palmas para o coronel Ludú!Sniff… Sniff (choro)… Obrigada Ludú por me deixar aparecer mais que você querido! Vamos assistir ao filme.
Apagou-se as luzes, o povão de olho grudado na telona. Começo de filme e a galera apontava:- Não é um parente do coronel fazendo sacanagem no escurinho? O doutor Dito fantasiado de muié? Meu Deus ele é uma Drag! Aquela ali não é a dona Fulana saindo do motel com o marido de dona Sicrana! Olha o cachorro do coronel cheirando o cão do outro coronel! A moça do discurso beijando o coronel Ludugéro! Cadela! Piranha!
Um tiro… Silêncio… Acendem-se as luzes. Algumas senhoras escondem o rosto, outras com sorrisinhos marotos. Homens enterrando o chapéu na cabeça para não serem reconhecidos. A moça do discurso num chororô de fazer dó. O coronel de revólver em punho:- Cadê esses pilantras que vem de longe para denegrir nossa sociedade? Eu mato! Eu mato!
Depois desses fatos lamentáveis como nenhum desafeto do alcaide foi pego em delito, parece que vão criar uma guarda municipal só com afilhados do coronel, e aí sim os sacanas da oposição vão sentir na carne a ira do poder dominante.
Gastão Ferreira
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.