CARTA PARA A TIA BETH


Carta para a tia Beth

Querida tia Beth, espero que essa cartinha a encontre com excelente saúde, gozando de merecido descanso após tanta luta em prol dos menos favorecidos da Inglaterra. Fiquei sabendo que a senhora foi convidada ao casamento Real, meus parabéns à nossa Gloriosa Rainha e ao casal de pombinhos. Como sempre, estou viajando e não me esqueci do prometido; – Relatar à senhora fatos interessantes com os quais me deparo em minhas andanças.

No país por onde me desloco, estou em uma cidade conhecida pelo nome de Fim de Mundo… Uma cidade onde é proibido nascer, onde é proibido morrer. Contaram que Fim de Mundo, num passado muito remoto, possuiu uma maternidade por nome Feliz Lembrança. Hoje! Apenas uma feliz lembrança dos que viveram aqueles bons tempos. Tia Beth! Dá dó de ver o bando de cegonhas, tão tristonhas, passando sobre Fim de Mundo para entregar sua frágil carga em outra cidade próxima, mas, como lei é lei, os habitantes de Fim de Mundo vão humildemente buscar seus recém nascidos nesse outro local para que a lei seja cumprida e a proibição de não nascer na cidade mantida.

Apesar da proibição de não morrer, vários enterros são anunciados diariamente pelos sinos da Grande Capela. Parece um paradoxo! O problema é que, como é proibido morrer, não existe na cidade um local apropriado para o guardamento do mortinho e quando alguém teima em desobedecer ao mandato de não morrer, não tem onde ser velado o teimoso descumpridor da lei.

Fim de Mundo faz parte de um grande país chamado País Maravilha. No País Maravilha, por decreto, não há pobreza, os políticos são honestos, as drogas proibidas, todas as pessoas têm casa própria, ninguém passa fome, ninguém fica doente. Para resolver as dificuldades dos que teimam em ser pobre, o governo do País Maravilha, criou uma bolsa mágica de onde os carentes retiram tudo o que necessitam; – Vale Transporte, Vale Alimentação, Vale Gás, Vale Educação e muitos outros Vales que não valem quase nada, mas fazem a festa dos que não quiseram estudar para ter uma profissão.

Fim de Mundo é um espelho do País Maravilha; – As autoridades agradecem a presença de milhares de turistas na cidade e o cidadão olha a sua volta e não vê ninguém diferente. Vangloriam-se do patrimônio histórico único, da incrível preservação dos antigos prédios. O cidadão olha e vê prédios abandonados, sem telhados, em ruínas. Exaltam a limpeza das ruas e o que se nota são entulhos, lixo não recolhido e bandos de urubus em constante festa.

Em Fim de Mundo, a Saúde da população vem em primeiro lugar… Esqueceram de avisar dona Dengue, que chegou de mala e cuia, deitou e rolou. Gostou tanto da limpeza da cidade, que vai ficar por uma longa temporada. Tudo em Fim de Mundo é de faz de conta… Faz de conta que fiz um campo de futebol, faz de conta que arrumei uma estrada, faz de conta que tudo funciona as mil maravilhas.

Tia Beth, gostaria que a senhora estivesse aqui comigo, pois, a cidade é linda, um povo amistoso e festeiro, onde a vida corre pacata entre verdes montanhas e um deslumbrante lagamar. Um pedaço do paraíso que os governantes teimam em transformar em um purgatório. Tem tudo para ser feliz e não sabe, ou melhor, não quer nem saber e se alguém discordar dos mandantes é apontado como inimigo… Vou parar por aqui com minhas observações, pois, caso essa singela cartinha caia em mãos erradas estarei frito… Em Fim de Mundo quem não beija as mãos certas tem uma vida incerta.

Contando sempre com o seu amor querida tia Beth, quero que a senhora saiba que o seu exemplo de vida é uma luz a clarear meu caminho, pois foi com a senhora que aprendi o significado da palavra ética, da palavra honestidade, dignidade, caráter e benevolência. Um beijo do sobrinho saudoso que lhe escreve e lhe almeja toda a felicidade do mundo. From “End of the World” with love, your nephew

Will Maddog

Gastão Ferreira/2011

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