Em 31 de outubro se comemora o Dia do Saci, nunca fui de acreditar nessas lendas urbanas; lobisomem, boitatá, mulher de branco, alma penada… Mas algo muito estranho me fez mudar de opinião, e o fato ocorreu exatamente na noite que antecedeu ao Dia do Saci.
Se tem um local bom de pesca é na margem, lado Imbé, do Rio Tramandaí… Ali aonde têm aquelas árvores e aqueles bancos bem posicionados para curtir a bela paisagem…
No final do mês de outubro, perto das 22 horas, eu estava sozinho pescando naquele local… Vindo do mar um ventinho gelado começou à soprar, não dei muita atenção, mas notei que do outro lado do rio aparentemente não ventava, pois alguns pescadores lançavam suas tarrafas indiferentes à mudança no clima…
Algo alterou a paisagem, comecei a sentir arrepios, dor nos ombros, um leve torpor, a vista embaciou, um rodamoinho se formou junto às árvores, um assobio chegou de muito longe… O medo se fez presente! Eu estava sozinho…
No meio dessa muvuca um peixe, e dos grandes, mordeu a isca… Eu estava apavorado, não sabia se puxava o peixe, ou saia correndo, pois a coisa estava cada vez mais feia…
Fisguei um bagre de uns três quilos, estava tentando tira-lo da água quando senti um vulto ao meu lado, uma mão gelada tocou no meu braço… Era um guri perneta, com um gorro vermelho, sorriso maroto, e que me perguntou:- “Quer ajuda?”
Fiquei apavorado! Eu e o moleque estávamos dentro de um rodamoinho, parecia que o tempo havia parado, eu via os pescadores espiando da outra margem do rio completamente indiferentes ao fenômeno…
Assombrado com tudo o que me acontecia, e sem ter noção da realidade que se apoderou da minha mente, deixei que o grande bagre escapasse, pois meus braços e pernas estavam entorpecidos, consegui de alguma forma chegar até os bancos onde me sentei trêmulo… O tempo passou lentamente, aos poucos a vista voltou ao normal, o vento parou, uma brisa suave soprava do mar…
Fui até a beira da água recolher os apetrechos de pesca, havia perdido o grande peixe, mas o que me assustou foi que no anzol estava preso um gorro vermelho, o mesmo boné que o moleque perneta estava usando, e a ficha caiu; um Saci aprontou comigo! Era noite, véspera do Dia do Saci.
Comentário:
O conto “A Noite do Saci” explora a força das lendas folclóricas brasileiras ao introduzir um elemento sobrenatural em uma situação cotidiana – a pescaria noturna. A narrativa se desenrola de forma envolvente, onde a presença do Saci, com seu gorro vermelho e sorriso maroto, desafia o ceticismo do protagonista e nos convida a refletir sobre o que é real e o que faz parte do imaginário popular.
O encontro inesperado com o Saci representa não apenas o poder das tradições, mas também o modo como o desconhecido pode impactar nossa percepção da realidade. A sensação de torpor, o vento gelado, e o rodamoinho criam uma atmosfera de suspense e vulnerabilidade, que simboliza o momento em que as crenças pessoais são confrontadas com algo inexplicável.
Esse conto não só homenageia a cultura e o folclore brasileiros, mas também nos lembra que, às vezes, é necessário abrir-se para o desconhecido e aceitar que certas experiências, ainda que misteriosas, são parte da magia de nossas tradições e da riqueza da imaginação coletiva. O Dia do Saci, celebrado em 31 de outubro, torna-se aqui um convite para redescobrir e valorizar o folclore, mantendo vivas as histórias e os personagens que dão cor à cultura popular.
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.