DONA COTINHA
Dona Cotinha melhor idade, exímia dançarina, única vencedora consecutiva da maratona “Calo de ouro”, um evento dançante promovido anualmente pelo clube Seupimpa, onde a vencedora ganha um fim de semana com direito a acompanhante no famoso resort “Adios Mutuca’s” na Barra do Ribeira, estava eufórica, acabara de conhecer Benedito e foi amor a primeira pisada no pé… Estavam dançando.
Paixonite na terceira idade é igual remédio milagroso, cura reumatismo, pressão alta, enxaquecas, nervo ciático, enfim qualquer dodói que possa infernizar a vida de quem já está para lá da Ilha Comprida, ou seja, no fim da picada, ou como se diz, na melhor idade.
Foi bailando que ela apaixonou-se. Benedito era um dançarino nato, um pé de valsa caiçara e naquela noite estava inspirado, não deu sossego à dona Cotinha e ela deslumbrada esquecia as dores na coluna e dançava e dançava.
Que homem o tal Benedito, muito jovem, alto, moreno, bem apessoado… Um tanto calado é verdade, mas para amar não há necessidade de muito converse, por vezes é até melhor ficar calado do que só falar bobagens. Dona Cotinha estava nas nuvens, digo dançando e pensava lá com suas sandálias de prata:- Quero esse homem prá chamar de meu!… E deu inicio a paquera:- Meu nome é Maria das Dores, apelido Cotinha, além de dançar muito bem, cozinho, lavo e passo…
– É! Disse Benedito com ar distante…
– Sim! Também arrumo muito bem uma casa, tomo dois banhos por dia, faço um excelente casadinho de manjuba, tainha na telha, na folha da banana, no forno…
– É!…Realmente Benedito não era de muita conversa, mas Cotinha não se deu por vencida…
– Sou aposentada, ganho muito bem, o falecido era pescador e meus filhos estão todos casados… Moro sozinha.
– É!…Não disse que Benedito era muito calado!
– São quase quatro horas da manhã, estamos dançando desde a meia noite, horário em que você entrou no clube, não poderíamos continuar nossa agradável conversa em outro local?
– Pode ser no meu barco?
– Noooossa! Você tem um barco? Vamos sim… Há quanto tempo não entro num barco…
– Vamos?
Quatro e meia da madrugada… Um barco ancorado entre a passarela e o antigo porto da balsa… Cotinha de mãos dadas com Benedito… A beira do valo completamente deserta… Neblina. Quanto mais se aproximavam do velho barco, mais Cotinha se arrepiava de frio. Pararam… O barco estava solto e flutuava a uns três metros da margem. Cotinha tremia… Alguma coisa estava errada:- Benedito! Agora que notei… Você não me é estranho.
– Claro que não Maria das Dores! Eu fui seu primeiro namorado… Benedito que há setenta anos morreu afogado.
João Carudo encontrou dona Cotinha desmaiada, eram seis horas da manhã de domingo e foi a ele que ela contou essa história que vai além da imaginação. Dona Cotinha nunca mais foi dançar no Seupimpa, agora é freqüentadora assídua da “Sandália de Cristal”, um local bem longe da água… Semana passada conheceu Alcino, um jovem caladão, com uma estranha marca vermelha ao redor do pescoço… Mora num sitio…
Gastão Ferreira
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.