Era a primeira vez que um circo visitava a cidade. Foi o maior alvoroço, as autoridades sorriam de orelha a orelha:- Finalmente o tal progresso chegou! Esse circo vai dar no que falar.
O padre foi contra a novidade:- Bom cristão tem trauma de circo! Nunca vai esquecer o que ocorreu na Roma antiga, ainda mais circo com leões famintos… Fora com esta gente pagã!
O pastor foi categórico:- Crentes unidos jamais serão vencidos! Circo é coisa do demônio, tem mulher pelada e palhaçada. Sai Satanás! Nem pense em tentar meu rebanho.
A molecada estava em festa e de olho comprido nas bailarinas tentavam erguer a lona, queriam porque queriam ajudar na montagem e assim descolar uma entrada grátis.
As garotas de programa contavam os minutos para o inicio do espetáculo, finalmente um programa de verdade, uma tarde no circo.
Alguns meninos empreendedores saíram à cata de cachorros vadios para venderem aos alimentadores das feras. Outros apareceram com cachos de bananas para os macacos e os restantes estavam doidos para saberem o que o elefante comia.
À noitinha a população estava preparada e ansiosa, a fila da entrada era imensa. As damas, apesar do calor insuportável, trajavam casacos de peles e múltiplas jóias falsas, afinal dama é dama e o resto é gentalha. Os cavalheiros portavam cartolas e fraques. O restante do povão de chinelo de dedos e camisetas de campanha eleitoral, felizes por se misturarem a granfinagem.
Na fila a fofoca rolava:- Aquela sirigaita deve ser a trapezista! Cruz credo… Só pelanca. Olha o mágico! Tem cara de engana bobo. Hein! Não é o palhaço? Não!…Não!É o Dito louco querendo aparecer.
Cidade falida não é fácil! As autoridades não queriam pagar o ingresso porque eram autoridades. Os parentes das autoridades porque eram parentes. As crianças porque trouxeram gatos e cachorros para alimentar os leões, os pobres porque diziam ter direito a um vale-circo, as garotas de programa porque estavam ofendidas, pois foram chamadas de macacas de auditório. Os meninos do mal porque abriram um buraco na lona para entrarem na moita e foram pegos no flagra.
O dono do circo tentou negociar, falou que vivia da venda dos ingressos e que o circo era igual a uma cidade, que se os habitantes da cidade não pagassem os impostos como poderiam exigir ruas limpas, segurança, saúde e progresso. O barraco estava armado e como todos por ali estavam na duranga o espetáculo foi cancelado.
O povo entendeu que o discurso do dono do circo era uma indireta ofensiva a população. Foi um Deus nos acuda! Tocaram fogo no circo e bateram tanto no palhaço que até hoje ele não consegue lembrar o próprio nome. É isso aí! Coisas de cidade falida, em vez de dialogar e buscar soluções, quando o circo pega fogo quem apanha é o palhaço que, aliás, não tinha nada a ver com a história
Gastão Ferreira
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.
Ana Holanda
27 de novembro de 2009 - 2:09 am ·Assim é a vida sempre escolhem alguém para bater………..