Victor era valente, destemido, e sem medo de nada; gostava de andar à noite pelas ruas
desertas da cidade, as estrelas do céu lhe davam paz e o silêncio noturno
acalmava o estresse do trabalho diário.
Naquela noite resolveu cortar caminho para o lagamar e passar frente ao cemitério, algo
normal que já fizera centenas de vezes… Caminhava distraído pensamento nas
nuvens quando reparou que havia alguém bem na frente do portão de entrada do
campo-santo.
Cemitério antigo de quase quatrocentos anos, nele jaziam os restos mortais de muita gente
boa, de muita gente má, de muita gente que o capeta levou para as profundezas…
Gente que espancava escravos por divertimento, que humilhava os pobres com sua extrema
arrogância, gente que se achava melhor do que os outros, em fim pessoas comuns
do dia a dia de todas as épocas e de todos os tempos…
O rapaz notou que a figura estava estática, praticamente não se mexia, fronte
erguida parecia encarar o nada… Trajava uma roupa do tempo de dantes, vestia
um fraque e estava usando uma gravata borboleta… Muito estranho!
Ao passar frente ao vulto, Victor educadamente o cumprimentou; – Boa noite…
– “Nooooite…”, respondeu a criatura. Sua voz era gutural e parecia vir
arranhando a garganta; continha um eco de coisa esquecida, de um medo
ancestral, de uma angústia sufocada, algo para ser temido…
Victor se afastou uns cinco metros, e a ficha caiu, era mesmo uma gravata borboleta
que o homem estava usando? Olhou para trás a fim de confirmar e o homem não
estava mais lá…
O portão de ferro estava fechado, e um grande cadeado podia ser visto pelo lado
de fora… O muro branco tinha no mínimo quatro metros de altura… O homem não
poderia ter atravessado o portão e nem pulado o muro, a rua continuava deserta
e um vento frio vindo do mar soprava sobre as campas centenárias… Uma coruja
piou… Um cheiro de maresia e um leve fedor de coisa podre pairavam no ar…
Victor apressou o passo, foi à última noite em que caminhou sozinho pelas ruas desertas
da pacata cidade, e ele nunca mais passou frente ao cemitério.
Gastão Ferreira/2022
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.