Vovó Celestina e suas histórias macabras, que saudade de vovó! Se existiu alguém que sabia fazer um delicioso pudim de leite condensado era a minha avó.
A velha gostava de assustar os netos, e suas melhores histórias eram cheias de sangue, dentes quebrados, olho roxo, almas do outro mundo, visagens flutuando na escuridão, o diabo comprando almas que se vendiam por ouro e poder…
Os tios e tias não ligavam muito para os causos da vovó, foram criados escutando-os diariamente, e foram eles que impediram as fugas noturnas, as saidinhas escondidas tarde da noite e muitas outras coisas…
Minha prima Ana Maria detestava as histórias de vovó, e sempre arruma desculpas esfarrapadas para não ouvi-las; vovó era insistente e chegou a escrever seus melhores contos, mas prima Aninha sempre dizia; – Vou ler depois.
Acredito que vovó sabia que Ana Maria mentia, jamais chegou a ler nenhuma das escritas de vovó Celestina, mas vovó era daquelas que jamais desistiam; ela deixava suas histórias embaixo do travesseiro, dentro das gavetas, na porta do quarto e em dezenas de outros lugares…
Um tarado andava rondando o nosso bairro, e vovó que era bem velhinha e conhecia a todos na redondeza desconfiou de um rapaz, reuniu as netas e pediu, implorou, rogou que não passassem pela Alameda Alvorada, um local cheio de árvores e bastante escuro… Aninha não foi na reunião da vovó.
Vovó escreveu um bilhete e colocou na porta do quarto de prima Ana Maria, Aninha rabisco um “ler depois” e foi pedalar sua nova bicicleta na Alameda Alvorada… Ana Maria nunca voltou para casa.
Vovó Celestina chorou a morte da neta, nós choramos a morte da prima e juramos solenemente para vovó Celestina que jamais adotaríamos o “ler depois” em nossas vidas.
Quando o Leão mandou um recado para o Burro dizendo que iria devorá-lo na primeira oportunidade, e o Burro ficou no “ler depois”, ele nunca mais foi visto na pradaria, virou comida no encontro com a fera… Então, nunca deixem para “ler depois”, o ler depois pode nunca acontecer.
Gastão
Ferreira/Imbé-2022
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.