O MENINO SAPO

O Sapo
Por Gastão Ferreira

Ato I – Floresta

Macaco: Amigo Porco Espinho, ando danado de preocupado!
Porco Espinho: O que aconteceu, compadre Macaco?
Macaco: Sabe, compadre, o senhor já reparou como o nosso laguinho anda sujinho?
Porco Espinho: Ora, o senhor sabe que já notei! Dia desses fui beber água e encontrei um saco de lixo…
Macaco: Saco de lixo, compadre? Que eu saiba, bicho não ensaca lixo!
Porco Espinho: Pois veja o senhor, compadre Macaco! Alguém anda sujando a nossa aguinha…
Macaco: Quem será?
Porco Espinho: O compadre Gambá, o fedorento, não pode ser…
Macaco: O urubu?
Porco Espinho: Urubu come lixo!
Macaco: Algum passarinho?
Porco Espinho: Puxa, compadre, o senhor, hem! Passarinho é muito pequeno para voar com um saco de lixo…
Macaco: Cegonha carrega, não?
Porco Espinho: Compadre, ainda acredita em cegonha?
Macaco: Já sei! Já sei!
Porco Espinho: E quem é? Quem é?
Macaco: É um filhote de bicho homem!
Porco Espinho: Filhote de bicho homem?
Macaco: Sim! É ele mesmo! Só pode ser ele!
Porco Espinho: Por que, compadre?
Macaco: O bicho homem é o único bicho que destrói a natureza…
Porco Espinho: Noooossa! É mesmo!
Macaco: É sim! Ele derruba árvores para fazer fogo…
Porco Espinho: E pra que ele precisa de fogo?
Macaco: Ora, compadre! Ele não é que nem a gente, com essa roupinha fofa e confortável… Ele faz fogo para não sentir frio…
Porco Espinho: Ora! Ora! Vejam só…
Macaco: E também para cozinhar a comida dele! É o único bicho que cozinha a própria comida…
Porco Espinho: Mas jogar lixo na água?
Macaco: Eles têm umas cestas onde está escrito “lixo”, mas nem ligam, jogam em todo lugar…
Porco Espinho: E por quê?
Macaco: Eles se julgam os reis da criação.
Porco Espinho: Puuuxa!
Macaco: Eles roubam, matam, brigam entre si, dizem palavrão…
Porco Espinho: Não acredito! Falam palavrão?
Macaco: Sim, compadre! O bicho homem, quando não sabe o nome de uma palavra ou objeto, fala um palavrão no lugar…
Porco Espinho: Coitado! Como é burro…
Macaco: Não precisa ofender o compadre burro!
Porco Espinho: O senhor acha, compadre Macaco, que é um filhote de bicho homem que está sujando o laguinho?
Macaco: E quem poderia ser? O filhote do bicho homem é pior do que o bicho homem…
Porco Espinho: Pior que a comadre cobra?
Macaco: Muito pior! A comadre cobra só ataca se o senhor pisar nela…
Porco Espinho: Pior que a comadre onça?
Macaco: Muito pior! A comadre onça só ataca se estiver com fome.
Porco Espinho: Iiiih! Que bicho terrível!
Macaco: Pssiu! Tô sentindo o cheiro de bicho homem…
Porco Espinho: Aí, compadre! O que vai ser de nós?
Macaco: Fique calmo! Vamos procurar a bruxa da floresta e pedir a sua ajuda…
Porco Espinho: É pra já!

(Entra na floresta um menino com um estilingue na mão.)

Menino: Eu vi um ninho de passarinho por aqui… Tenho certeza que é por aqui… Êêh, olha ali um passarinho! Esse não escapa… (Dá uma estilingada no passarinho e o passarinho cai. Quando ele vai matar o passarinho, aparece a bruxa da floresta.)
Bruxa: Pare com isso, seu diabinho!
Menino: A vovó vai cuidar da sua vida!
Bruxa: Quando é que você vai aprender a respeitar os outros?
Menino: Que outros? Ele é apenas um passarinho a mais!
Bruxa: E você é apenas um menino desbocado…
Menino: Sou um homem!
Bruxa: Você é um destruidor de lares!
Menino: Lares? Que lares?
Bruxa: Você acha que esse passarinho não tem uma família? Uma mãe?… Um pai?… Um irmão?…
Menino: Mas que papo furado!
Bruxa: Você gostaria que alguém matasse seu irmão?
Menino: O Joãozinho?… Cruz credo! Nunca!
Bruxa: Mas está matando o irmão de um passarinho!
Menino: Mas é só um passarinho!
Bruxa: É só um passarinho… Assim como você é apenas um menino. Único! Não existe ninguém igual a você. Com esse passarinho é a mesma coisa. Igual a ele, só existe ele mesmo, e você vai matá-lo!
Menino: Que se dane! Tá cheio de passarinho no mundo…
Bruxa: Ah, é! Também tá cheio de menino no mundo… Você vai ver o que é bom para a tosse. (Levanta uma varinha e diz:) Xazam! Xazam! Esse menino é pior que um trapo… Quero que ele vire sapo! (Forma uma nuvem de fumaça e o menino vira sapo.)
Bruxa: Você vai ser sapo até aprender a respeitar a natureza. Se um dia conseguir e fizer algum bem, posso reverter o feitiço…

 

Ato II – O Sapo

Sapo: Onde estão as minhas mãozinhas?
Bichos: Sumiram!
Sapo: E o meu cabelinho?
Bichos: Sumiu!
Sapo: Cadê o meu narizinho?
Bichos: Sumiu!
Sapo: E a minha boquinha?
Bichos: Bocão!
Sapo: O que vai ser de mim? Coitada da minha mãe!
Bichos: Coitada da mãe do passarinho!
Sapo: Papai vai ficar preocupado comigo!
Bichos: Pai do passarinho tá preocupado com ele!
Sapo: Como é que eu posso ouvir vocês?
Macaco: Agora você é um bicho e pode nos entender.
Sapo: Eu sou um menino!
Macaco: Você é um sapo…
Bichos (cantando): Um sapo fedorento… Sapo… Sapo… Sapo…
Sapo: Não sou! Não sou! Não… Não… Não!
Bichos: Um sapo feioso! Um sapo feioso!
Sapo: Eu sou um menino! Eu sou um menino!
Bichos: Sapo! Sapo! Sapo da lagoa!
Sapo: Não! Não! Não!
Bichos (cantando): O sapo não lava o pé… Não lava porque não quer…

Sapo: Mas por que aconteceu isso comigo?
Macaco: Para você aprender.
Sapo: Aprender o quê?
Macaco: Você está vendo como todos nós vivemos aqui na floresta? Vivemos na maior união. A floresta é nosso habitat.
Sapo: Habitat? O que é isso?
Macaco: É o lugar onde moramos.
Sapo: Mas o homem também divide o mesmo espaço com vocês?
Macaco: Sim! É isso mesmo! Por isso ele não deve destruir o local onde os outros moram.
Sapo: Não entendi!
Macaco: É assim… Agora a sua casa é na lagoa. Ali você come, dorme, namora e brinca. Você gostaria que alguém jogasse lixo dentro da sua casa? Na sua comida?
Sapo: Eu não!
Macaco: Mas já viram você jogando lixo no laguinho!
Sapo: Eu não sabia que morava alguém lá!
Macaco: Pois mora! E não é só você! Lá moram centenas de seres vivos. Lá é um lar para várias espécies de animais.
Sapo: Puxa! Que interessante!
Macaco: Você acha interessante o seu pai exterminar todos os bichos da lagoa?
Sapo: Que bichos?
Macaco: Rãs, jacarés, capivaras, tatetos. A lagoa é o local onde todos nós bebemos água e seu pai está acabando com os peixes!
Sapo: E daí? Peixe não tem dono!
Macaco: Claro que não tem dono! Os peixes são um bem comum, como a mata, o rio, o ar…
Sapo: Falou e disse! Se não tem dono, é de quem chegar primeiro!
Macaco: Puxa vida! Você é um sapo ou um burro? Você não está entendendo? Quando alguém se apossa de um bem comum em proveito próprio e visando lucro, está errado. Quando um pescador profissional vem até o nosso laguinho e retira centenas de peixes, ele desequilibra nosso meio ambiente.
Sapo: Coitado do meu pai! Ele pesca de linhada e só fisga uns dois ou três peixinhos.
Macaco: Então ele é um pescador amador e pesca para a própria alimentação.
Sapo: É isso aí!
Macaco: Tá bom, tá bom! Vou acreditar em você, mas essa coisa de pescador profissional pescar fora dos locais determinados por lei é terrível. Acabam até com os alevinos…
Sapo: Alevinos?
Macaco: Filhotes de peixe.
Sapo: Você quer dizer que eles exterminam a família toda? Avós, tios, primos, pais e filhos?
Macaco: Sim! É uma tristeza só, e por vezes não resta um para contar a história.
Sapo: Pelo que percebi, isso de pesca profissional e amadora são coisas bem diferentes…
Macaco: O amador pesca por lazer ou alimentação, e o profissional pesca para vender. O problema é que os dois querem o mesmo peixe, que vive no mesmo local, e então começa o conflito.
Sapo: O conflito?
Macaco: É conflito, briga feia, pois o profissional está destruindo para comercializar o que não é propriedade sua, o que não plantou. Assim como faz o palmiteiro, o madeireiro e muitos outros.
Sapo: Puxa! Preciso pensar sobre isso!
Macaco: Outra coisa! Você quase matou o compadre passarinho. Peça desculpas a ele…
Sapo: Passarinho? Desculpe-me!
Passarinho: Vou desculpar porque estou sem fome, senão papava você já!

Sapo: Você come sapo?
Passarinho: É meu prato predileto…
Sapo: Então esse lugar é perigoso? Posso virar jantar…
Passarinho: Só quando eu estiver com fome, pois também como formigas, insetos, minhocas e outras guloseimas que andam passeando pela floresta…
Sapo: Amigo Passarinho, desculpa-me, eu não sabia que o que eu estava fazendo era errado…
Passarinho: Só estou preocupado é com minha mãe! Deve estar aflita.
Sapo: Então… Você tem uma mãe?
Passarinho: Minha família é imensa: avós, tios, tias, primos. Tenho até um irmãozinho que está aprendendo a voar… suiift… shuift… (choro). E eu era o seu professor…
Sapo: Ah… Perdoa-me! Me desculpa mesmo?
Porco Espinho: Vamos esquecer tudo isso! Afinal de contas, a sua casa agora é aqui na floresta…
Sapo: Eu não quero ficar aqui! Quero voltar para minha casa!
Porco Espinho: A comadre cobra adora sapo, e ela pode estar por aí…
Sapo: Meu pai… Meu pai vai vir me procurar.
Porco Espinho: E daí? Você é um sapo! Acha que ele vai te reconhecer?
Bichos (cantando): Você é um sapo, você é um sapo sujo…
O sapo não lava o pé, não lava porque não quer, ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer!

(Os bichos saem correndo e gritando.)
Bichos: Bicho homem vem aí! Fujam!

(O homem entra e pega o macaco e o passarinho ferido, amarrando-os em uma árvore.)
Homem: Puxa! Que sorte! Vou vender esse macaco como animal de estimação…
Macaco: Não! Não! Eu tenho filhos pequenos! Não! Não!
Homem: Pare de gritar, coisa ruim! (dá um tapa no macaco)
Macaco: Não me bata! Não! Não!
Homem: Esse passarinho vou comer ensopado… Uma delícia!
Passarinho: Coitado de mim! Vou virar ensopado! Não! Não!
Sapo: É meu pai! É meu pai! (pula) Pai! Pai!
Homem: Êta sapo feio! Matar sapo dá azar… Sai, bicho feio!
Sapo: Pai! Pai! Pai!
Homem: Pô, que sapo chato… (dá um pontapé no sapo)
Sapo: Aí! Aí! Aí! Doeu…
Homem: Dareis uma espiada por aí para ver se encontro meu filho… Acho que se perdeu. (entra no mato) Béééto! Bézinho! Onde está você?

Macaco: Não falei que o bicho homem é terrível?
Sapo: Papai não sabe que você é meu amigo!
Macaco: Papai me deu um pontapé!
Sapo: Ele não sabe que eu sou o Béto…
Macaco: Seu pai é igual a todos os bichos homens… Só pensa em destruir… Matar…
Sapo: Ele não sabe o que eu sei agora! Mas eu vou soltar vocês! (começa a roer a corda)
Homem (voltando): Ora! Veja só! Esse sapo nojento querendo soltar meus prisioneiros…
Sapo: Pai! Pai!
Homem: Sai, bicho!
Sapo: Papai! Papai!
Homem: Esse sapo deve estar louco! (pega uma madeira e começa a bater no sapo. Os bichos se soltam)
Sapo: Pai! Não me mate! Eu sou o Béto…
Homem: Morre, porcaria!
Sapo: Meu pai! Não me mate!
Homem: Morre, feioso!
Sapo: Estou ferido! Estou morrendo! Perdão, meus amigos da floresta! Agora eu sei que estava errado… Todos nós temos direito à vida… Perdoem-me! Perdoem-me! (O homem vai dar mais uma paulada no sapo, escorrega, bate com a cabeça e desmaia. A bruxa aparece.)
Bruxa: Sapo! Você aprendeu a lição… Agora vai ser um homem de verdade… Defensor da natureza e de todos os seres vivos. Xazam! Xazam! Tudo que vem some… Que o sapo vire homem! (nuvem de fumaça; o sapo vira o menino.)
Menino: Obrigado a todos! Obrigado pela lição que me ensinaram. Agora vou aproveitar melhor minha inteligência… Vou proteger a todos vocês, meus amigos. Somos parte da mesma criação, e todos têm o direito à vida. Obrigado! Vou socorrer meu pai… Pai! Pai! Acorda!
Homem: O que aconteceu?
Menino: Não sabe? O senhor não estava tirando uma soneca?
Homem: Será? Então sonhei que tinha caçado um macaco e um passarinho, e depois veio um sapo e os soltou. Aí eu bati no sapo…
Menino: Pô, pai! Que sonho, hem! Vamos para casa?
Homem: Será que foi um sonho? Eu, hem!
Menino: Só pode ter sido… (vão saindo)

Bichos (cantando): O sapo não lava o pé, não lava porque não quer, ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer!

FIM

 

 

Comentário:

Um conto que transcende as palavras, “O Sapo” é uma ode ao respeito pela natureza, uma reflexão profunda sobre nossa conexão com o mundo ao nosso redor. Entre a inocência de uma criança e a sabedoria de uma floresta viva, desenrola-se uma história que pulsa com lições de empatia e transformação.

Gastão Ferreira conduz o leitor por um cenário encantado, onde animais ganham voz e sentimentos, e até o menor dos atos humanos ressoa como um eco na harmonia do planeta. Nesta peça teatral sobre o meio ambiente, a bruxa, o menino e os bichos se tornam parte de um aprendizado coletivo, onde o erro não é apenas punido, mas ensinado, moldado em algo novo e transformador.

Nesta peça de teatro infantil, o autor nos desafia a ver o mundo pelos olhos daqueles que dependem da nossa consciência. Cada diálogo é uma pincelada em um quadro maior, que nos lembra que a vida na terra é tecida por todas as criaturas, unidas em um delicado equilíbrio.

O menino, transformado em sapo, vive uma jornada de compreensão. Descobre, através da dor e da reflexão, que a natureza não é apenas um recurso, mas um lar compartilhado. E, ao final, ao retornar ao que era, ele não volta igual — carrega a sabedoria de quem enxergou além de si mesmo.

Com lirismo e sensibilidade, “O Sapo” é um convite à mudança, um apelo para cuidarmos daquilo que é tão maior do que nós. Que sejamos, todos, defensores dessa grande casa que nos acolhe. Que aprendamos, como o menino, a ouvir os sussurros da floresta e a respeitar a vida em todas as suas formas.

Um espetáculo que encanta, emociona e transforma.

 

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