O Leão conheceu meu tataravô, um menino complicado, mandão, emburrado. Soltava pipa na praça e batia na molecada. Filho de coronel senhor de engenho, dono de escravo. Também conheceu dona Candinha minha tataravó. Uma gracinha, desde menininha se fazia respeitada, nunca perdeu uma missa. Sempre bem arrumada, não pedia, mandava e açoitava quando não gostava.
O Leão viu meu bisavô levado pela mucama a brincar na pracinha, uma calamidade desde criancinha. Jogava e ganhava e tanto jogou que perdeu a fortuna da família. Mancebo da elite, bem apessoado, nome e sobrenome de abastado, rapaz estudado, com o famoso golpe do baú recolocou a vida nos eixos. Correu mundo, viajou, foi recebido pelo imperador. Não ganhou nenhum título não senhor!
Conheceu uma corista que se fazia passar por francesa, se apaixonou e com esse romance tão mal arrematado vovó chegou. A ricaça de minha bisavó amava o safado e tudo perdoou e minha avó adotada como filha foi escorraçada como a tal gata borralheira. Abafaram o escândalo, mas minha bisavó pirou. Virou beata das melhores e quem lucrou foi o vigário que ficou com o casario e o ouro que ela legou.
Meu bisavô não deu o braço a torcer, manteve a panca e casou vovó com um salafrário novo rico. Vovó Amélia foi mulher de verdade, agüentou a vida inteira sem se queixar do sacana do vovô, um libertino que queria sozinho repovoar o mundo. Tanto filho deixou e com tantas mulheres que quando se finou vovó estava na mais negra miséria e só não passou fome porque papai já pescava sim senhor!
Eu me lembro da vovó Amélia e das histórias que contava. Quando na praça me levava sempre me mostrava o Leão e dizia:- Meu neto! Eu juro que são verdade essas coisas do passado. Eu juro pelo rei Leão que conheceu um por um de nossos antepassados e ele sabe que de minha boca nunca partiu uma mentira.
Não consegui estudar, papai foi pobre. Trabalho feito mula para manter meu filho. Hoje contei a ele a nossa história e ele quis ver o rei Leão. O nobre Leão que do alto do telhado de um sobrado tudo conferiu calado. O telhado ruiu. Ninguém sabe ninguém viu, mas o Leão assistiu. Nunca pedi nada ao Bonje, nosso zeloso protetor, mas agora vou até seu altar levar meu filho e com todo o fervor vou implorar:- Amado Bonje! Não vim pedir por mim nem por meu filho, tão criança ainda. Oh meu protetor faça um milagre! Que meu filho um dia possa trazer meu neto a tua presença e agradecer por mim. Meu Deus, meu Pai, salve o rei Leão!
Gastão Ferreira
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.