Não passei fome, não passei frio, não enfrentei nenhuma calamidade; nasci numa estância em meio ao pampa gaúcho no final de um longínquo verão. Nem pobre, nem rico… Vivi o dia a dia conforme o tamanho de meu passo, então, para ser sincero, nunca faltou o essencial.
Trabalhei muito, passeei bastante, me diverti… Não odiei, nem desejei o mal alheio. Se era possível ajudar, ajudava… Se não ajudava, também não atrapalhava.
Foi demorado chegar aos dezoito anos, e igualmente aos vinte e um, a tal maioridade… Depois o tempo desembestou e vieram os trinta, os entas, e aos oitenta retornei ao primeiro lar.
Lembro-me de ter ficado tonto e penso que desfaleci; ao acordar, estava num hospital. Quinze dias em sonoterapia, e estava novinho em folha… Descobri que havia desencarnado.
A primeira visita foi um choque; minha mãe chegou bem velhinha, me abraçou, beijou a minha testa e falou:
— “Prepare-se para as demais visitas, hoje é o dia das mães.”
Cinco moças entraram no quarto, e foram abraçando, beijando, acariciando;
— “Nosso menino voltou!” diziam… Sim, ali estavam as minhas seis últimas mães das vidas anteriores.
Notei que Maria Antônia, a minha última mãe, a que entrou velhinha no quarto, agora parecia uma adolescente;
— “Mãe Tonha, isso está parecendo um sonho! Como pode alterar a imagem assim?”
— “Primeiro que o nome Maria Antônia foi o derradeiro nome da última personagem que encarnei na Terra. Aqui no nosso verdadeiro lar, meu nome é Virgínia, e o teu nome é Vinícius. O Roberto foi cremado faz vinte dias…”
— “Quer dizer que passei oitenta anos com um nome fantasia?”
— “Mais ou menos é isso, cada vez que retornamos à matéria densa nos dão outro nome. Toda reencarnação é um novo capítulo no livro da vida… O nosso eu verdadeiro tem um nome imortal, que é o apelido de nosso espírito… Portanto, nada de choradeira com suas últimas seis mães.”
Até que me adaptei bem no plano espiritual. Com o tempo, recordei de algumas vidas anteriores na Terra, coisa de louco! Já fui antropófago, homem das cavernas, de evolução lenta. Estou há quinze mil anos nesse vai e vem entre o plano físico e o espiritual.
Centenas de personagens fazem parte do meu ego; teve gente boa, teve gente má, gente mesquinha, gente que habitou por séculos na escuridão… Um dia alguém me deu a mão, saí do abismo e busquei a luz do conhecimento… Estava tudo dentro de mim, era minha bagagem de outro mundo, do outro planeta em que vivi…
Não tenho certeza, acredito que Roberto foi meu último personagem nessa viagem ao planeta Terra. Todos os dias chegam centenas de individualidades de mundos distantes, assim como milhares de espíritos seguem para outros mundos diariamente. Eu quero voltar às Plêiades, o meu lar ancestral… Passar um tempo por lá, estudar e rever amizades; quem sabe num futuro não tão distante, possa voltar à Terra, pois aqui também é meu lar.
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.