No Dia dos Namorados passou pela tenda do atendimento do Covid-19 um jovem casal, ambos estavam contaminados, o marido trazendo a esposa pela mão; era uma noite escura e chuvosa, uma noite triste apesar da data… O homem deixou a mulher no atendimento e voltou para junto dos filhos pequenos, fui atendê-la e pressenti a gravidade da doença, colocamos a paciente na observação, demos soro, o soro com vários remédios; quando me aproximei dela ela me falou: – Meu marido está tossindo também, soltando sangue…
Perguntei: – Onde está o seu marido? Não o vi lá fora…
Ela falou: – Voltou para casa, temos três filhos pequenos, mas estou preocupada com ele, ele não está bem doutora.
Eu como médica senti um arrepio; sempre a mesma história! Um vem e o outro e fica. Pedi ao enfermeiro: – Chama ele!
O enfermeiro ligou, disse para trazer a receita; ele respondeu dizendo que deixaria seus filhos com o irmão… Chegou à tenda de atendimento trazendo a receita.
Vi que na receita dele e na dela não tinha o remédio que mais importava… Pedi para ele ficar em observação; ele se aproximou do leito da esposa e a olhou. Os olhos do jovem eram pardos, redondos e cheios de amor para com a esposa… Ela estava fraca e dormindo; eu me aproximei dela e ela acordou assustada…
Ele falou: – Deixa-a dormir…
Eu falei com ela: – Olha quem veio te ver…
Sai um pouco, e ele ficou perto da esposa; depois deitou na cama ao lado e foi medicado. Conseguiu descansar naquela noite sem tossir. Os dois dormiram… Enquanto repousavam eu a coloquei no programa para tratamento em outra cidade melhor aparelhada, pois ela já estava respirando com certa dificuldade, e eu torcendo para que eles melhorassem; dei um comprimido de HCQ para os dois, e eles voltaram a adormecer calmamente…
De manhã ele levantou, ela continuava lutando para melhorar, ela não aguentava a máscara de VNI…Isso me preocupou, mas ele estava melhor. Conversei com o rapaz: – “Você precisa se recuperar para cuidar da tua esposa e dos teus filhos.”
Ele me ouvia com os seus grandes olhos cheios de esperança, fiz prometer que compraria os remédios… Ele foi até a farmácia e os comprou, Eu me distraí atendendo a outros pacientes, quando fui vê-la, ela tinha sido levada para a outra cidade que possuía um grande hospital.
Eram meus dois pombinhos; não queria que ela fosse, pensei que por ela ser jovem ficaria só uns dias e voltaria… Lembrei da troca de olhares entre ele; ela tinha olhos cor de mel! Era fácil notar o amor de um pelo outro… Dez dias depois ouvi falar que ela tinha falecido no momento da intubação; o seu coração não resistiu. Ele que tomou a medicação certa ficou na Terra para cuidar dos filhos…
Fiquei muito emocionada, ainda não me acostumei a perder meus pacientes para o Covid, a tristeza tomou conta do meu dia, chorei… Foi o último dia dos namorados para eles neste mundo, e eles não sabiam.
Dra Maria
Helena
Observação; Aos primeiros sintomas procure ajuda médica, isso fará toda a diferença.
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.