O vento vinha ventando pelos caminhos do mundo.
Espiava sobre os telhados, sobre velas de jangadas.
Cantava pelas esquinas, ventava pelas estradas…
O vento perdeu o rumo numa noite sem luar,
E dormiu feita criança sonhando com o seu ventar.
Acordou na madrugada ouvindo um galo a cantar,
E lá do alto do monte o vento ficou espiando a cidade despertar.
Viu o povo batalhando na procura do melhor,
Professor professorando, pedreiro a pedrejar,
O pastor pastoreando, a criança a estudar,
O rio sereno buscando as águas azuis do mar.
E o vento encantado, com tudo o que ele via,
Da cidade enamorado pelas esquinas corria…
Viu a velha na janela espiando o fim da rua.
Ouviu riso de menina, ouviu prantos e canções.
Viu na mesa de quem come o que no prato restou,
Viu mendigo mendigando que com fome despertou.
Viu amor e abandono. Viu tristeza e solidão,
Viu o pobre e o rico, viu o doente e viu o são.
Viu pessoa trabalhando em diversa profissão.
O amor abrindo portas, ódio fechando em prisão.
Viu um dedo apontando a beleza e a podridão.
Muita gente se encontrando, outros perdendo a razão.
Viu olhares de incertezas,
Viu desprezo e safadeza
Em quem nunca se amou.
Viu orgulho, viu pobreza,
Viu bondade e viu horror.
Viu maldade gratuita, coração enganador,
Viu gentinha se achando ser de tudo o senhor.
Viu sonhos desencantados, ouviu gritos de agonia.
Amantes desesperados vivendo de fantasias.
O vento quedou-se mudo. Só ventar é o que sabia.
O vento nunca pensou que essa cidade existia.
Soprou no banco da praça uma brisa de alegria,
E os casais enamorados os seus beijos ali sentiam.
Soprou no adro da igreja e o rezador se benzia.
Soprou no supermercado, nos bares e padarias,
No varejo e no atacado, na porta do cemitério.
Soprou por todos os lados, soprou por sobre mistérios.
Na cidade já desperta, o povo se perguntava:
-“Que será que acontecia que o vento tanto ventava? ”
O vento sabia tudo, tudo o que se passava.
Corria de casa em casa e a tudo espiava.
Passou pelos gabinetes dos mandantes do local.
Ouviu risos e palpites, viu o bem e viu o mal.
Leu na banca de revistas as notícias no jornal.
Viu ladrão e viu polícia, viu os barcos no canal…
O vento ventou mansinho, pois de tudo ele entendia,
Em sua vida de vento ventava todos os dias.
Afastou-se da cidade, sobre a montanha dançou,
E depois seguiu ventando e de tristeza… Chorou!
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.