Contam as lendas urbanas que Ramiro foi um famoso pescador; caiçara bem apessoado, alegre, generoso, um moço sonhador. Suas tralhas de pesca impecáveis, canoa sempre limpa, conhecia os segredos do lagamar e os melhores pontos de pesca. Algo muito estranho aconteceu à Ramiro.
Apaixonado desde a infância por Andrelina, não tinha olhos para mais ninguém. Casamento marcado, não via a hora de realizar o seu grande sonho; casar e ser feliz.
Numa de suas andanças, ali pelos lados do Morro do Pinheiro, foi visto por Fabíola, a bela feiticeira, filha de Nhá Pedrina; Fabíola a maga que tantos malefícios causou à seus desafetos. O pescador foi um dos poucos viventes que teve contato com a bruxa e sobreviveu para contar a história.
Fabíola fez de tudo para obter a atenção de Ramiro, mas o rapaz jamais se submeteu a seus caprichos, e o amor de Fabíola se transformou em ódio mortal. A bruxa lançou um encanto sobre o jovem pescador; o coração de Ramiro, com o tempo, se tornaria pedra.
A sina de Ramiro mudou; desmanchou o noivado com Andrelina, se afastou dos amigos, passava dias e dias sozinho no manguezal, vendia o seu peixe, mas vivia solitário, parecia que seu coração não tinha mais vida, definhava lentamente.
Os amigos tentaram ajudar, mas nada conseguiram; Andrelina foi a única que jamais desistiu, mas nunca descobriu a causa da estranha mudança de seu amado; o encantamento de Fabíola, a bruxa do Morro do Pinheiro.
Andrelina cuidou de Ramiro até o fim de seus dias; o corpo do moço foi sepultado no cemitério indígena de Ilha Comprida, e quando Andrelina faleceu, a enterraram no mesmo túmulo, e neste dia o encanto foi descoberto.
Entre a morte de Ramiro e a de Andrelina vinte anos se passaram; quando abriram a sepultura do pescador, a única parte inteira de seu corpo era o coração; um coração de pedra. Seu melhor amigo, recolheu o coração, e o escondeu. O tempo passou, a cidade cresceu, mudanças ocorreram.
Fabíola se arrependeu do feitiço, e quando um famoso escultor fez a Estátua do Pescador, uma singela homenagem do município aqueles que dedicaram suas vidas à pesca, ela, a feiticeira eternamente jovem, retirou o coração de pedra do seu esconderijo, e o colocou dentro da estátua; nem Jonas Correa, o escultor paranaense que a esculpiu sabe disto, mas a Estátua do Pescador possui um coração; o generoso coração de Ramiro, o maior dos pescadores que o lagamar conheceu.
Diz a lenda urbana que depois da meia-noite, quem encosta o ouvido na estátua, escuta um “tum-tum-tum-tum”, é o coração de Ramiro que sonha com os cardumes de tainhas, robalos, paratis e manjubas. Quem tem a sorte de ouvir o coração da Estátua do Pescador, sempre terá uma grande e farta pescaria.
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.