Sexta de carnaval

Antigamente no tempo em que Seu Totó Banguela produzia lampiões a querosene, e não havia eletricidade, Iguape era uma ilha separada do continente pelo Rio Ribeira e pelas as águas do lagamar. A cidade sempre foi festeira e o carnaval também conhecido como Entrudo até meados do século XIX, começava numa sexta-feira à noite, e durava até a próxima terça-feira.

Naquele ano a noite da sexta-feira de carnaval foi de lua cheia, coisa raríssima; os foliões na Praça da Matriz corriam atrás da Juritica, do Zé Pereira e de alguns bloquinhos caiçara. A cachaça corria solta entre os jovens pescadores, cataia e licores para as donzelas de fino trato, sem energia elétrica não existia cerveja gelada…

No entorno da Praça os lampiões, a bandinha e o povo festando; vale lembrar que o iguapense sempre foi criativo, e as fantasias carnavalescas famosas pela originalidade, mas o que realmente chamava a atenção era um rapaz fantasiado de lobisomem…

Orelhas pontudas, pêlos de lobo, dentes salientes, olhos vermelhos, uivos arrepiantes; o moço corria e saltava por toda a extensão da praça, cheirava as senhoras, fuçava nas crianças, paquerava as moças… Ditinha Lelé se interessou pelo rapaz, fizeram um par atrás do Zé Pereira, e depois foram em direção aos baixios do lagamar…

Os gritos foram horríveis, a música parou, as pessoas ficaram estáticas, Ditinha Lelé com as vestes dilaceradas, quase pelada; uma vergonha para a família caiçara! Onde se viu ficar nua durante um carnaval, e na Praça da Matriz, bem na cara do Bom Jesus… Chocante!

Dona Maria Antonia Fontes Garcia, uma alma generosa e nobre socorreu a rapariga; – “Nhá Totonha, fui atacada por um selvagem lobisomem tarado… Não, ele não conseguiu o seu pecaminoso intento! Quando ele tentou se aproveitar da minha virtude, eu gritei… Dez casais que estavam escondidos entre as ramagens das árvores vieram me socorrer, e a besta fera fugiu…”

Ditinha Lelé nunca mais participou de um carnaval, o lobisomem também não, e desde então nenhum folião teve a ousadia de se fantasiar de homem lobo… Pelo que se sabe aquele carnaval foi o único em que uma besta fera dançou, brincou e se divertiu…

Não se faz mais carnaval como antigamente, Ditinha Lelé morreu solteira e diz a lenda urbana que em noite de lua cheia ela costumava zanzar à noite na orla do lagamar, fazendo o quê ninguém sabe, mas tem gente que disse que ouviu uivos de lobisomem no manguezal.

Gastão Ferreira/2021

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!