UM PESADELO
Palácio da marani Avandra
Avandra descendia dos marajás de Brhamaeskol, um reino milenar situado na misteriosa Índia. Uma noite a marani Avandra sonhou que seu belo e próspero reino foi tombado. No sonho, sua majestade e seu Bobo da corte saíram a conferir o estrago. Num grande e belo portal que dava acesso ao reino, notou uma placa com um pequeno resumo da história do vetusto reino:- “Olha Bobo! Que maravilha, uma placa explicativa apontando aos visitantes o que temos que outros locais não possuem…” e o Bobo disse:- ”Mandarei retirar imediatamente essa coisa horrorosa. Para que placa se o mundo todo conhece vosso afamado reino!”.
– Bobo! Olha que graça de pracinha, possui até um Tori, é a homenagem de um antigo marajá a primeira colônia japonesa estabelecida na região. Os turistas ficarão encantados com esse pequeno e mimoso jardim em estilo nipônico…
-Não se preocupe! Vamos alugar a frente a uma banca de jornal e assim ninguém vai notar essa infantilidade construída com o dinheiro enviado pelo consulado do Japão.
– Praça São Ghandidito com seus velhos casarões completamente preservados, que maravilha! Prédios antigos, solares do passado, árvores centenárias fornecendo abrigo aos pássaros e aos transeuntes… Que belezinha!
– Marani! Menos por favor!Só ignorantes chamam a praça por esse nome vulgar. Por favor, Praça Dr. Sirgreenhalghnenmoraaki e pode ficar sossegada que vamos mandar podar essas árvores e destelhar os casarões.
– Meu Bobo! Que local paradisíaco. A Fonte do senhor Brhama! Quantos casais enamorados sentados recatadamente nos bancos de pedra. Turistas alimentando os peixinhos no piscoso lago. Adolescentes banhando-se nas águas cristalinas ao som dos pássaros canoros. Oh! O deus do amor fazendo pipi.
-Majestade pelo visto conseguiu ler seu primeiro livro na vida! Sua linguagem está encantadora e um tanto rebuscada, mas não se preocupe vou mandar retirar e levar para um local secreto e bem longe de vosso reino esse Cupido desnudo, quem sabe ele possa ser causa de prostituição infantil, pedofilia e uso de drogas nesse local num futuro próximo.
– Querido Bobo! Estou encantada… Ruas limpas, crianças com uniforme escolar… Há quanto tempo não via um aluno com uniforme, só uma cidade tombada tem dessas reminiscências do passado.
– Hoje mesmo darei severas ordens para que a coleta de lixo se torne menos ostensiva… Um relaxo básico. Essa criançada está destoando dos tempos modernos, não ouço um palavrão, um xingamento, que coisa mais ultrapassada… Xô criançada ridícula!
– Bobo! Veja o lagamar. Que limpeza, que colírio para os olhos, quantos pescadores, quantos biguás, garças e socós!
– Nhanhanham! Nada disso. Vamos colocar alguns moradores de rua para enfeitar essa orla marítima, que construam seus mocós embaixo das árvores e façam fogões com as pedras do calçamento e vamos dar um jeito de assorear essa água toda. Vamos tornar esse local civilizado.
– Bobo! Veja. Ali no meio da praça. Espia que coisa ridícula, uma churrasqueira com uma cruz de pedra! Ridícula… Ridícula… Ridícula!
– Majestade! Marani Avandra… Chega… Basta! Aonde vossa majestade quer chegar?Eu sou uma pessoa culta. Um homem viajado. Um estudioso. Seu guri, digo, seu guru. O ser que o próprio universo preparou para guiá-la nessa jornada evolutiva. Eu sou os seus olhos, os seus ouvidos, seu amor e seu ódio, mas eu não sou os seus neurônios, a sua inteligência e assim não da mais! Eu vou explodir! Eu vou virar purpurina… Que se dane sua imbecil! Sua burra! Pode me demitir. Expulsar-me do reino, mas nunca mais ofenda esse monumento ou eu mudo de lado e arrumo uma improbidade imediatamente para você sua vaca velha.
A marani acordou trêmula e imediatamente sentiu o cheiro do lixo acumulado frente ao palácio. Ouviu os palavrões das educadas crianças e a voz de um pedinte alcoolizado insistindo em descolar uma grana para um cafezinho:- “Ufa! Estou em casa, no meu lindo e próspero reino. Ainda bem que foi apenas um pesadelo!”
Gastão Ferreira
Obs. – Esse texto é ficção. Aos conhecedores da Índia milenar peço desculpas… Coisas de pobreza intelectual.
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.