Faz um bom tempo que não visito Iguape, mas neste final de semana acompanhei um pessoal do sítio até a Feirinha do Produtor Rural. Matei a saudade, revi amigos; a cadelinha Suzuki por quem curti uma paixonite na juventude é agora uma senhora um tanto obesa; ela comentou que nem tudo é alegria na zona rural, pois, desde que a musa dos sitiantes se mudou para a Europa ninguém mais se importa com os pequenos produtores, se bem que a diva deixou um amiguinho de cabeça-feita em seu lugar. Nada a ver! Beleza ainda é fundamental. A Suzuki estranhou a escolha da Europa para viver, mas todos sabem que um comunista que se preze quando sai do país para falar mal dos dirigentes jamais vai para Cuba, Venezuela, ou Argentina; comunista gosta é de vida boa, e dinheiro fácil.
Escondido embaixo de uma barraca encontrei o cão Mazé, ficamos conversando por um bom tempo; Mazé estava um tanto apreensivo e contou o porquê de ficar debaixo da barraca em vez de passear na feirinha. A nova moda é fotografar cães que aparentemente estão perdidos pela cidade. Cachorro botou a fuça na rua e já postam uma foto sua nas redes sociais – doguinho sem dono
perambulando na avenida – cão de carinha triste visto nas imediações da Fonte…
Encontrei o cachorro Ednardo amarrado ao lado da barraca do Seu Onofre bananeiro, e perguntei o porquê de estar preso:- Pai Onofre tem medo de que eu seja raptado pelos sem-tetos, eles roubam os cães e levam para serem adestrados…
– Como assim, adestrados?
– Arrastam os dogues para o acampamento, e os ensinam a pedir dinheiro aos turistas, também dão um curso de como matar gatos, assustar velhos, apavorar crianças…
– Chocante!
– Não apenas chocante, mas terrível! Viciam os filhotes com bebidas alcoólicas, instigam lutas entre irmãos… Um cão capturado pelos pedintes muda totalmente de comportamento, se nega a tomar banho, se irrita fácil… Pai Onofre já perdeu para os sem-tetos o filhote Amadeu, que agora passa por nós e faz de conta que nem nos conhece…
Estávamos nesse converse quando os sem-tetos chegaram ao local; vi quando um travesti em situação de rua afanou uma fruta de uma das bancas, uma menina-pedinte roubou o pastel que um curumim acabara de ganhar de um turista… Afastei-me de imediato, não quero saber de confusão.
Tirando o pessoal que estava fazendo compra na Feirinha do Produtor Rural a cidade estava praticamente vazia; ruas desertas, capim africano assoreando o mangue, a Princesa com suas ruas limpas e carpidas. Praticamente não reconheci ninguém, pois, de máscara e chapéu de pescador todos ficam que nem japoneses todos iguais… Brincadeirinha!
Nada de Festa de Agosto nesse ano de 2021, será o segundo ano sem barraquear, e as cuecas, meias e guarda-chuvas não foram renovados lá em casa… Meu Bom Jesus! O que será desse povo que há dois anos não aluga quartos, banheiros e nem serve café da manhã para romeiros?
Voltei feliz para o sítio, que bom ver os meus amigos saudáveis, sem máscara e sem medo de viver.
Omisso, um cão rural
Gastão Ferreira/2021
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.