NOTÍCIAS DA CAPITAL


NOTÍCIAS DA CAPITAL

O Bonje foi dar uma geral, fazer uma limpeza facial, uma lipo, uma embelezada como se costuma dizer. No momento está em boa companhia,
no local há uma infinidade de santos e entre eles a conversa é amena. Um São José a espera de um novo cajado passa horas e horas pondo a prosa em dia com seu famoso filho adotivo:- Meu Filho! O que achou da viagem?
– Sabe pai! Estou abismado. Nunca pensei que existisse tanto progresso no mundo…
– Filho! Você veio de uma cidade pequena, isso aqui é uma cidade grande, mas com o tempo a gente acostuma…
– Que nada pai José! Aqui é que nem hospital, o que sinto é falta dos meus amados fiéis… Nenhum telefonema para saber como estou, nenhuma visita… Nadica de nada!
– Fique calmo Filho! Os homens são assim mesmo… Lembre-se do seu passado na antiga Judéia…
– Quem melhor do que eu para saber disso! Mesmo assim não me conformo… Durante as minhas procissões até brigavam para carregar meu andor, querendo demonstrar publicamente frente a milhares de romeiros seu devotamento filial e agora que estou só nem uns bons pensamentos me enviam…
– Sabia que sua mãe esteve por lá recentemente?
– Ah! Mamãe peregrina…
– Até hoje fala sobre a visita… Sua mãe é uma mulher maravilhosa, muito humilde… Gostou sobremaneira de uma concorrente…
– Concorrente?
– A tal Toda Amor!
– Ah! Sim…
– Depois do falecimento de madre Tereza de Calcutá é a primeira santa em vida de quem ouço falar! Sua mãe ficou impressionada…
– Ah! Mamãe. Continua a mesma ingênua de sempre…
– Que é isso Filho? Você como nosso líder supremo deveria ser mais respeitoso com a santarada! Sua mãe ficou deveras empolgada com a santinha Mãos Limpas! A Toda Amor.
– Papai! Se o senhor soubesse o que eu sei! De bons santos o inferno está cheio e com aquele pessoal da minha cidade vai ficar mais cheio ainda.
– Não me diga filho!
– Em cerimônias públicas lembram-se de mim… Choram… Gritam… Suplicam… Fazem a maior média. Acabou a solenidade todos vão encher a cara em lugares secretos, bebem dos melhores vinhos, cheiram os perfumes mais caros e meus pobres continuam a ver navios, alias nem navios vêem mais, pois o grande porto está assoreado a dezenas de anos.
– E você não reage?
– O povo adora quando gritam meu nome…
– Mas o povo não sabe que é pecado invocar o nome de Deus em vão?
– Pai! E o povo está ligando para isso? Eles querem é cesta básica, foguetes e festas…
– Meu Bonje! Mas que povinho hem!
– Agora que estou me reciclando, na volta vou agir diferente… Depois de ter visto tantas novidades, vou conversar com meu verdadeiro Pai e por ordem no barraco. Desculpa pai José! O senhor sabe que eu o amo e jamais esqueci que devo minha profissão, carpinteiro, ao trabalho que teve para ensinar-me.
– Bonje filho! Cuidado com esse linguajar chulo… Ordem no barraco?
– Estou falando à maneira que o meu povo entende!… E eu que achava que aquele coreto era o máximo em obra de arte! Santa ignorância. Também era o único objeto que eu enxergava do meu altar, mas agora as coisas serão diferentes… Quem viver verá!
– Não vá se exceder!
– Pai José! Quem melhor do que o senhor para saber que meu Pai verdadeiro é fogo! As sete pragas do Egito não serão nada perto do que Ele vai aprontar por lá. Eu vou exigir os meus direitos!
– Meu Bonje! Meu Bonje filho… Até que enfim!

Gastão Ferreira

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!