O BACHAREL E A FONTE


O BACHAREL E A FONTE

Seu sonho era encontrar um cognome mais pomposo para juntar ao que já possuía:- Bacharel! Desterrado na vastidão do Vale do Ribeira, em suas andanças ficou sabendo de uma jovem e chorosa índia carijó que estava alimentando uma fonte com suas próprias lágrimas a qual os silvícolas se referiam jocosamente: – Hú!… Hú!… Como Fonte da Saudade.
Resolveu conferir o fato inusitado e após uma longa caminhada defendendo-se de onças, tapires, jaguatiricas e uma infinidade de animais selvagens, pois a região era de uma biodiversidade espantosa; araras, papagaios de cara roxa, azul, vermelha e amarela, garças, biguás, lontras, ariranhas, alem de uma floresta exuberante e chegou a Maratayama. Ali se informou com os selvagens guerreiros “os Negrões” que lutavam incansavelmente contra seus arquiinimigos “Os Trigos” de onde se localizava a maloca da formosa índia.
Encontrou-a em seu chororô diário, sentada a margem de uma pequena fonte. O Bacharel era muito inteligente, pois alem de ter concluído um curso universitário falava espanhol, português, francês, holandês e cinco dialetos tupi guaranis e também o nhenhengatu a língua geral da terra onde vivia, uma forma de portunhol da época.
A índia era realmente uma formosura, tipo Gisele Bündchen do pedaço, só que morena e peladona. Era de uma simplicidade espantosa, hoje diríamos,uma inocente criatura. Trocaram presentes. Ele deu a ela um velho e amassado espelho de latão português e ela retribuiu com meio quilo de mico-leão-dourado moqueado com farinha de mandioca. E, começaram o fictício dialogo:
– Por que choras inocente e bela criatura?
– Snif… Snif… Choro porque vejo o futuro…
– Mas não é pela morte de teu grande e verdadeiro amor que jamais retornou da nefanda guerra que vertes teu pranto? (repare no linguajar pomposo do Bacharel, afinal ele tinha curso superior).
– Snif… Snif… No começo sim! Mas depois me conformei e então comecei a notar imagens nunca vistas refletidas na água da fonte…
– E que imagens são essas que tanto a transtornam formosa selvagem?
– São do futuro! … De como será no futuro esse paraíso em que vivemos…
– E poderias descrevê-las para mim…Oh sibila não civilizada?
Ela não entendeu muito bem a tal sibila não civilizada, mas para não passar por ignorante fez de conta que compreendeu…
– Snif… Snif… Vejo nossas matas destruídas, nossos animais extintos, nosso grande rio assoreado e um imenso valo grande transportando toda a sorte de detritos para o lagamar…
– Oh!… E o que mais?
– Snif… Snif… Não existirão mais índios… Outras gentes cara pálidas povoarão a região… Luzes nos céus farão barulhos (foguetes)…
– Eu hem!… Que mais?
– Uma nova forma de vida chamada políticos infernizará a vida de todos e não deixarão a localidade progredir…
– Não acredito!… Mas por quê?
– Só pensarão no ouro e em si mesmos, não amam a ninguém a não ser o vil metal cor do sol… Formarão um tal de partido e só terão vez os que forem (a) filhados…
– Não estou entendendo nada!
– Nem eu!… Pois tudo isso ainda nem foi inventado. Por isso estou dizendo palavras que nem sei o que significam…
– Sejamos mais práticos!… A guerra entre “Negrões” e “Trigos” acabará?
– Enquanto existir um único “Trigo” a guerra não terminará… Os “Negrões” vencerão no final… Tupã está aflito, pois ama a todos da mesma forma…
– Salte a parte religiosa! Por favor…
– Snif… Snif… A cidade do futuro se chamará Iguape…
– Obrigado linda selvagem, prestou-me um favor inestimável, pois era com esse nome tão belo que pensava em batizar o local onde moro, mas depois de conhecer o futuro e saber o que está reservado para a cidade que tiver tal nome vou denominar minhas terras de Cananéia…
– Oh!… Oh!… Eu vi esse local tão formoso e progressista em minha fonte… O senhor será conhecido para sempre como o Bacharel de Cananéia… Snif… Snif…

GASTÃO FERREIRA

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