DONA ZINHA – “PATRIMÔNIO TOMBADO”


DONA ZINHA – “PATRIMÔNIO TOMBADO”

Dona Zinha estava inconformada, passou o ano inteiro vendendo casadinho de manjuba e separando o dinheiro para a fantasia. Com setenta anos não via a hora de soltar a franga numa escola de samba, sonho de uma vida que finalmente realizaria, pois com a morte do maridão estava livre, solta e linda.
Na cidade histórica começaram os vários tititis pré aquecimento:- Esse ano nada de escolas de samba! Toda a verba foi para o magnífico monumento! O tema imposto não agradou:- Cidade Histórica, Patrimônio Brasileiro! Turistas e foliões:- Cananéia os aguarda de braços abertos! Registro já tem carnaval:- Ônibus grátis! O último a sair apague a luz do Cristo.
Dona Zinha foi falar com a “começão” responsável pelo evento e, diga-se de passagem, foi muito bem recebida:- Olha aqui sua mocréia! Sabe com quem está falando? Corta essa de se fantasiar de baiana! A coisa mudou… Está mais organizada, a cidade ficou importante. Nada de fantasia de pobre! A senhora pode optar por sair na ala dos “Sem Telhas” (homenagem ao sobrado dos Toledos), “Cruz Credo” (homenagem ao novo monumento da praça), ”Casarões Tombados” (homenagem a não sei o quê!)… Levamos turismo muito a sério e por isso nosso carnaval está cada vez melhor.
Dona Zinha enfezou-se:- Como levam turismo a sério? No lagamar tem mendigos cozinhando sobre paralelepípedos tirados da avenida em frente! Morando e enfeando a orla marítima! Em um local público! Público! Público!… Sabe o que é público garoto?Não é meu! Não é seu! É nosso… Ninguém pode usar em beneficio próprio! Entendeu ignorante? E vem me falar de turismo! Que turismo? Se vocês estão acabando com o turismo! Ruas sujas… Praças abandonadas… Lixo por todo o lugar… Me poupe!
Antes que saísse facada alguém rodou a baiana, digo “a tombada”, pois baiana já era:- Dona Zinha! Quem a senhora pensa que é para ofender a “começão” carnavalesca?Veja aquela donzela de cabelos indomáveis, aquela com o óculos na ponta do nariz e sorriso de quem sabe das coisas, já começou a fazer beição e está a ponto de abrir um berreiro de tão chocada com suas rudes palavras. Note nosso outro membro (opa!) tendo um chilique e pedindo seus sais importados! Minha senhora! Não é politicamente correto de sua parte ofender quem se mata de trabalhar em beneficio de vocês! Somos pessoas íntegras! Honestas! Mãos limpas! Cheias de amor para dar (opa!)!
Dona Zinha caiu na gargalhada. Riu tanto que acabou no hospital de Pariquéra, pois na Unidade Mista consultas só depois da Páscoa.
Foi o melhor carnaval de dona Zinha. Ficou alguns dias internada em Pariquéra e por la conheceu dona Margarida de Cananéia, fizeram amizade. Ambas saíram fantasiadas de “Patrimônio Tombado” e ganharam muitos prêmios em Registro e Cananéia.
Na cidade dona Zinha foi apelidada “A tombada”, uma heroína que realizou os seus sonhos. A “começão” de carnaval por puro despeito a chama de velha coroca e quer responsabilizá-la por danos morais ao município. Cidade turística é isso… O povo e visitantes que se danem, afinal quem precisa de carnaval? O comércio local agradece.

Gastão Ferreira

Obs.:- Esse texto é ficção e o carnaval ainda está longe. Nada de vestir a carapuça e sair rogando praga a quem escreve como passa tempo. Qualquer semelhança com o que poderá vir a ocorrer será mera coincidência.

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