MEMÓRIAS DO FUNIL


Quem me trouxe ao mundo foi Maria Bruno, famosa parteira da Vila Garcez, filha de escravos. Meu nome é Aparecida Ferreira Lopes, nasci em Iguape, Rua das Neves, Funil de Cima em 21/10/1934. Filha de Antonio Paulino Ferreira e Juliana da Silva Ferreira. Casei com João Honório Lopes e tive dois filhos. Sérgio Ferreira Lopes (falecido) e Sônia Ferreira Lopes (funcionária da Unidade Mista).
Recordo das crianças Rosa Gamba, Dito Caixeiro, Joaquina, Pequenina Teixeira brincando na areia de nossa rua. Do portinho de pesca bem no fundo da casa de papai, onde ele, o senhor Andrade e Antonio Florido saiam ao nascer do sol para a pescaria diária no mar pequeno. Da dificuldade de arrastarem o barco através da lama e do pirisal. Lembro do Porto Grande a uma quadra de casa.
Da porta dos fundos avistava-se a Ilha Comprida e após a dragagem ganhamos uma rua, Valdomiro Barros Athayde e um imenso e verde gramado junto ao lagamar. Antes de 1943 recordo da alegria de esperar o barquinho a vela vindo do sul, Santa Catarina, que trazia mercadorias para as lojas. Brinquedos que eram vendidos a bordo e que meu pai jamais se esquecia de nos presentear.
Meu pai foi um grande pescador, um homem valente que faleceu em 1995 aos 94 anos. Um pescador nessa época provia de sustento, educação e vestuário de cinco a seis filhos sem pedir favor a ninguém, sem cesta básica e sem defeso. Nossa casa tinha eiras e beiras, éramos considerados remediados e devido a esse fato nunca me foi permitido buscar os presentes natalinos doados aos pobres pela professora Zelí Fortes na praça da matriz nos finais de ano.
As Festas de Agosto marcaram profundamente minha juventude. Quantas lágrimas derramadas ao assistir aos dramalhões apresentados no circo montado próximo ao Largo do Rosário. “Três almas para Deus.” e “O céu uniu dois corações.” Peças de teatro inesquecíveis. Quanto susto com o trapezista “Adãozinho”, quanto riso com os palhaços brincalhões.
Como esquecer a chegada da “Caravana Santista” no vapor “Bento Martins”, a recepção com foguetes e banda de música, sinos badalando e crianças correndo curiosas, acompanhando os romeiros até o hotel São Paulo. Centenas de canoas vindas de sítios próximos, os vaqueiros vindos a cavalo. Os serracimanos, moradores da serra de Juquiá para cima, descendo de caminhões e lanchas.
O povo alugando cômodos aos visitantes. Os negociantes se hospedavam no hotel do Commercio. Os mais abonados ficavam no hotel São Paulo. As barracas montadas no Largo do Rosário. Os Turcos vendiam ternos que encolhiam na primeira chuva e mudavam de cor. Alugavam casas por vários anos e que eram utilizadas apenas na festa. Fora os dois grandes hotéis não havia restaurantes na cidade e a pensão de Dona Sinhá atendia aos romeiros que não cozinhavam nas casas onde alugavam cômodos.
Lembro do primeiro automóvel que vi na vida, era do senhor José Cardoso que morava na Praça da Matriz e do segundo que foi de Casimiro Teixeira. Do primeiro ônibus a chegar a Iguape, uma Jardineira vindo de Juquiá. Trabalhei como atendente da agência Viação Sul Paulista localizada na praça central da cidade.
A educação era rígida e cobrada insistentemente pelos pais, horários para chegar a casa, do respeito aos mais velhos, da boa educação para com todos. Dancei no clube “Liberdade” onde é hoje a loja Kaio e no clube “25 de Janeiro”, atual casa dos padres. Recordo de meu tio Júlio Soldado e de seus porres homéricos, dos passeios na Fonte do Senhor, dos flertes em volta da praça. Lembro com saudade de uma Iguape pacata, sem drogas, sem crimes. Uma cidade sem pobreza extrema, uma cidade do passado em que fui uma menina feliz, uma menininha que corria pelas ruas de areia e que realizou todos os seus sonhos.

Aparecida Ferreira Lopes

Gastão Ferreira (Reporter)

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