TERRA DE CEGOS


TERRA DE CEGOS – O TÚMULO

Europa, século XII, tempos terríveis, baixa idade média, lixo nas ruas, rios assoreados, regatos poluídos, mendigos profissionais dormindo em adros de igrejas, bandos de assaltantes infestando as florestas. Donzelas e não donzelas trocando favores por um prato de alimento, adolescentes participando de quadrilhas juvenis, crianças que fugiam de casa e eram atacadas por dragões pedófilos… Enfim um caus.
Num pequeno e esquecido reino europeu, uma epidemia deixou uma terrível seqüela e todos perderam uma das vistas. Os que cegaram do olho direito viam somente o lado bom do mundo e os que cegaram do olho esquerdo notavam só o que não prestava e juravam de olho fechado que tudo era escuro.
Ninguém soube se foi uma brincadeira de Satã, mas todos os nobres perderam a visão direita e para eles tudo era perfeito, seu pequeno e insignificante reino era o centro do universo, um lugar privilegiado onde a felicidade tinha até apelido, Fefê.
Os pobres, vassalos, comerciantes, artesãos, pagadores de impostos e plebeus que mantinham com seus suores e trabalhos os luxos dos nobres perderam a vista esquerda e era uma choradeira de acordar Bela Adormecida e assustar turistas.
Esse fato inusitado gerou uma contenda, pois onde o nobre via progresso, a plebe via roubalheira. Onde o nobre via oportunidades, a plebe enxergava corrupção, se o nobre elogiava, a plebe falava mal. Os nobres que sempre se julgaram a cereja dos bolos, os filhos prediletos de Zeus, por qualquer besteira enchiam os pobres de desaforos e os pobres baixavam a cabeça, pois desde que o mundo é mundo, os pobres não aprendem a ter vergonha na cara e ir atrás do que por direito lhes pertence.
O rei que durante a tal epidemia estava ausente, pois foi convidado a dar uma palestra num outro reino sobre o tema:- “Como aparentar ser honesto sem cair no ridículo.” Continuou com a visão perfeita, mas dava uma de esperto, junto aos nobres via tudo azul, mas bastava ver um pobre e fazia cara de coitado e mãos limpas. O povo já estava pegando uma bronca, mas toda a vez que o rei chorava, a plebe otária se babava e dizia:”- Tadinho do rei! Está sendo enganado pelos nobres…” Sempre esquecidos que o rei era o mais nobre dos nobres, alias um fazedor de nobres.
Para findar as desavenças, o rei mandou erguer um monumento onde nobreza e plebe veria a mesma coisa e essa obra simbolizaria o seu reinado. Nomeou um nobrete muito culto e honesto para viabilizar o projeto e colocou o tesouro real a disposição da idônea criatura. O tal nobrete consultou suas bases, uma antiga garota de programa de auditório e um erudito e sensível companheiro de folias juvenis. Pagou uma grana preta pela consultoria e levou para aprovação real a genial idéia:”- Meu soberano! O que falta para acabarmos com o diz que diz generalizado é um grande e diferenciado monumento fúnebre.” O rei que lá no fundo do seu límpido coração acalentava o sonho de imortalidade ordenou a construção imediata da caríssima obra, custasse o quanto custasse, pois era seu passaporte para a posteridade e alem disso o dinheiro não era dele e sim do erário público.
No dia da inauguração, após os foguetes vespertinos, o desfile dos nobres, mais foguetes, um lauto banquete real num local secreto para evitar a gentalha, mil discursos, gritos histéricos de puxa sacos e lambe mãos, foi retirado o tapume que escondia a obra de arte. O rei teve um saricotico, desmaiou e bateu com a cabeça. Resultado! Perdeu a visão do olho esquerdo e passou a enxergar o que a plebe via.
Pouco tempo depois o reino parecia outro, ruas limpas e iluminadas, segurança plena, saúde excelente, mendicância zero, a plebe feliz. É que o rei passou a ver o reino pela visão do povo e resolveu a tempo ser um rei de verdade. Ah! Os nobres foram enforcados e enterrados sob o monumento, afinal era um túmulo.

Gastão Ferreira

Obs.- Esse texto é ficção, por favor, não vistam carapuças.

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!