SAUDADE


SAUDADE

Quando a Saudade chegou, a praça estava vazia. Os pedintes a tomaram pelo braço tentando extorquir uns trocados pelo direito de ir e vir, alguns urubus que bicavam os sacos de lixo a espera do transporte nem sequer a notaram.
Ela olhou para um antigo prédio e murmurou:- “Ali foi um Posto da Marinha do Brasil, motivo de orgulho ao iguapense. Num passado não tão remoto, quantos garotos sonharam em singrar os mares vendo os valentes marujos com seus uniformes brancos hasteando a bandeira todas as manhãs.” “Que foi feito dos devaneios desses meninos? Quem matou suas fantasias? Onde começa o desencanto? Até onde leva o descaso por uma cidade tão antiga, tão cheia de histórias?”
Fez uma breve parada frente a um velho sobrado:-“ Clube Primavera!O bar térreo, a escada, o salão de dança na penumbra… Ah! Os alegres carnavais… As mocinhas nos terraços flertando com os rapazes na calçada. Todos eles em grupos antagônicos representando as diversas vilas, quando a confusão ocorria saiam em disparada atrás do ofensor até a baixada do Mercado Municipal… Oh! O Mercado Municipal.”
Seus olhos detiveram-se por breves segundos no centro da Praça da Matriz:-“ Sim! O coreto era belo… Um marco na memória do povo. Algo para os turistas levarem na lembrança. Em meio a árvores centenárias os bancos de madeira, as crianças em algazarra subindo e descendo do coreto… Quem não ama destrói! Quem não ama arranja mil desculpas para mostrar o desamor.”
De cabeça baixa, olhar triste de quem viu um passado bem melhor, ela se dirigiu a Praça Greenhalgh:- “Esse nome estrangeiro tem mais de cem anos e todos a chamam de Praça São Benedito… Interessante! A voz do povo é a voz de Deus. Que praça majestosa!… A igreja erguida por mãos escravas foi um marco em sua época, tem memórias. Os casarões! O prédio do antigo correio, o Sobrado dos Toledos… Tudo faz parte da história, quem não preserva a própria história está se condenando ao esquecimento… Que tristeza!”
A Saudade sentou próximo ao chafariz:- “Esse chafariz é do século XIX… No total eram quatro a enfeitarem a cidade, obras de arte que desapareceram. Ninguém sabe informar onde estão. Como obras de arte somem sem deixar vestígios? Onde estão os antigos chafarizes?”
Existe uma fonte com o meu nome, a Fonte da Saudade. Há duzentos anos as famílias realizavam alegres convescotes a sua volta… Hoje! Bem poucos a conhecem. A lenda não é verdadeira, não era por seu pai Turuçuçaba que Porangaba chorava, era pelo futuro que ela anteviu, pelo descaso, pela arrogância sem sentido, pelo abandono, pela maldade gratuita, por tudo que seria perdido. Porongaba chorava por mim… Saudade!

Gastão Ferreira

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!