MARATAIAMA


MARATAIAMA

Ali, naquela parte do continente, onde os formadores de sambaquis enterraram suas cascas de ostras e rezaram aos antigos deuses do mar, onde há mais de dez mil anos o homem marcara sua presença, onde os indígenas de todas as tribos anualmente moqueavam a prateada tainha e praticavam seus sagrados rituais, onde o coração do bravo era devorado para fortalecer o fraco nas guerras tribais… Ali, naquela parte esquecida do paraíso existiu uma cidade… Marataiama.

Marataiama é componente do mito. Nas praias de areias brancas viveu o homem pré-colombiano, antropófago, nômade… O homem que utilizou o Peabirú (caminho dos Incas) que passa pela região para conhecer a América do Sul, era um turista antes da invenção do turismo. Quando os portugueses aqui aportaram, Marataiama já era uma lenda entre os selvagens locais. Os descobridores fundaram Cananéia e Iguape nos arredores da cidade desaparecida.

No início, Iguape era uma modesta vila de pau a pique, casas de taipa, abrigo a quem fugia dos piratas que infestavam a região. Passou por diversas etapas; – Freguesia, comarca, cidade. Vivenciou epidemias terríveis, participou de todos os ciclos que forjaram a grande nação… Pau Brasil, ouro, navegação, arroz. O dinheiro farto propiciou a construção de inúmeros sobrados, casario de abastados senhores de engenhos, donos de escravos e terras produtivas.

Os séculos passaram e sucessivas crises expulsaram os donos do ouro. A cidade parou no tempo… Um lugar para aposentados e pescadores, gente que vive do hoje sem pensar no amanhã. Os casarões permaneceram como símbolo do luxo passado. Os novos proprietários, sem verba, foram relegando as reformas necessárias e os prédios ruíram um a um.

Na época conhecida como “A era do descaso” apareceu um nobre senhor apelidado Conde Faat ditando leis e regras a fim de preservar o que restara dos velhos casarões. Ninguém podia reformar sem sua ordem, o padrão de construção devia seguir o original. Portas, janelas e telhados idênticos aos da antiga edificação. Grande parte dos proprietários não possuía recursos para a melhoria, o senhor Conde Faat se propunha a auxiliar e colocava uma placa frente à futura obra; – “Aguardando verba do Senhor Conde Faat.”

Até o momento presente, a velha cidade está paralisada, casas em ruínas, antigos solares completamente no abandono, alguns sem portas e sem janelas, outros sem telhados, todos servindo de valhacouto de marginais. Alem da formação de alguns adolescentes em reforma de prédios históricos e que trabalham na recuperação das antigas fachadas, das constantes viagens de estudo pelos responsáveis pelo projeto, nada mais se sabe e ninguém ousa perguntar.

Assim vamos vivendo na expectativa de dias melhores, esquecidos de nosso passado milenar quando o mito povoava a imaginação coletiva, imêmores da beleza dessa terra, da riqueza da fauna e da flora. Que no solo sagrado de Pindorama, Marataiama permaneça no coração de Tupã e que sua memória seja abençoada pelos ventos do céu, pelas Iaras protetoras dos rios, os Caiporas das matas, os Sacis e Bois-tatá. Que essa porção de terra conhecida pelo homem há milhares de anos seja preservado da ganância e que um dia sua história seja compartilhada com os povos do mundo.

Gastão Ferreira/2010

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