DITA DO PORTO


DITA DO PORTO

Se o Tempo fosse um mar e cada ser vivo um barquinho desafiando esse oceano de eternidade para marcar seu breve e efêmero instante no mundo existir, Benedita das Dores do Espírito Santo seria uma balsa. Uma grande balsa a transportar feridos, náufragos da batalha Vida, crianças abandonadas, jovens perdidos para as drogas, adultos desesperados, pessoas de todas as idades afogadas nos infortúnios e carentes de uma mão amiga, de uma bússola salvadora nesse oceano em fúria em que por vezes a vida se transforma.

Benedita nasceu em 30/05/1933 em Iguape, SP… Aparada por Nhá Bastiana, famosa parteira, requisitada até nos sítios mais longínquos. Dita é descendente de escravos, seus avôs Felícia Maria das Dores e João Batista Cancela ganharam, ao ser alforriados, um pedaço de terra no bairro Porto do Ribeira. Sua avó foi mucama da Condessa Damiana, cunhada de Rozo Lucas Lagoa e doadora do terreno onde foi construída a igreja de São João Batista do Porto do Ribeira. Os pais de Dita foram Andrelina Maria das Dores e Antonio Baicô. Viúva de Benigno do Espírito Santo. É mãe de Marcos do Espírito Santo (Marquinhos, motorista da ambulância) e Silvio do Espírito Santo (Micro-empresário iguapense).

O pai de Benedita, Antonio Baicô, morreu na fatídica explosão de uma caldeira de lancha em 1933, junto com seu colega de trabalho Abel Gatto. Dita lembra que o Caminho do Porto era ladeado por bambus, casas esparsas em meio ao matagal que se estendia da entrada do bairro até a chácara de Nenê Euclides, nas imediações onde, hoje, está o posto de gasolina e a loja Toyo na Avenida Adhemar de Barros.

Recorda que a igreja de São João Batista estava voltada em direção ao Valo Grande e que em 1942 foi demolida e reconstruída com a frente para a entrada da cidade. Jamais esqueceu sua primeira professora, Zely Fortes, responsável por sua alfabetização no Colégio Vaz Caminha. Quando criança comprava feixe de lenha para fogão e peixe na cambada (peixes nas fiadas) nos barcos que ancoravam na baixada do mercado e que traziam dos sítios sua produção para a venda nos armazéns de Iguape.

Aos doze anos de idade, Benedita foi com a família de seu padrinho Dácio de Carvalho morar em Santos. Fez Secretariado no Instituto Andrada, estudou Enfermagem, especializou-se em Nutrição e Higiene com curso de Puericultura pela Legião Brasileira de Assistência. Interessou-se por cooperativismo, pintura, decoração e artesanato. Casou, teve filhos, ganhou dinheiro e voltando às origens, em 1983, montou um sacolão no bairro em que nasceu.

Comerciante, Benedita costumava pessoalmente buscar nos sítios próximos os produtos para revender. Numa dessas viagens preferiu a carroceria a cabine do veículo, fazendo companhia a seu filho de criação. Nessa ocasião o caminhão sofreu um acidente e as caixas de mercadorias desabaram sobre Dita e a criança. Dita cobriu com seu corpo o corpo do menino e foi assim que perdeu a perna direita. A Vida começou a mostrar seu lado obscuro, sem uma perna, sem dinheiro, com filhos para sustentar, deu inicio a luta pela sobrevivência.

Foi nesse período que seu aprendizado em artesanato foi útil. Fez bolsas, chapéus e bonecas em palha de milho e folhas de bananeira, decoração para festas e pinturas em tecido. Trabalhou voluntariamente com o Machadinho e a Marli Seabra no antigo Mercado Municipal e também no sacolão do Carlão em troca das sobras de frutas e verduras descartadas, as quais repartia com as famílias necessitadas e fazia sopa para a criançada da vizinhança. Em 1972 representou Iguape no sesqui centenário da independência e em 1971 participou do programa de TV “Essa é a minha vida” com o apresentador Silvio Santos. Em 2004, devido à osseomelite, amputou totalmente a outra perna. Sem as duas pernas se locomove em cadeira de rodas.

Essa é a história de Benedita das Dores do Espírito Santo, a Dita do Porto do Ribeira, a mulher que não pode caminhar, mas que luta feito leoa por seu bairro, sua cidade, seu povo. A mulher que acolhe desabrigado em sua humilde casa e através dos muitos amigos encaminha drogados para recuperação, auxilia os carentes dos bairros rurais com roupas e comida, faz uma festa anual para a petizada com os gêneros alimentícios que arrecada com seu famoso Almoço de Confraternização… Comida a vontade, mas traga um quilo de alimento não perecível, sempre no mês de Dezembro. A grande preocupação de Benedita é com a criançada, já acolheu muitos, deu conselhos, comida, carinho. Seu lema é; “- Ajudar sem olhar a quem.” Em sua casa sempre há um brinquedo, uma roupa usada para uma criança necessitada.

Dita é uma mulher feliz. Nunca negou socorro a quem pediu. De várias cidades do país chegam telefonemas dos que não esqueceram a mão amiga que os livrou das drogas, da marginalidade, da falta de esperança… Uma mulher com tão pouco e repartindo com tantos, uma mulher briguenta no bom sentido, uma mulher que vê em cada semelhante um irmão. Uma mulher balsa… Uma grande e silenciosa balsa navegando nesse oceano existir, recolhendo náufragos e mostrando com seu amor que sempre é possível recomeçar. Um exemplo a ser seguido… Uma pessoa que faz a diferença.

Gastão Ferreira/Iguape/2011

  • marli seabra
    20 de junho de 2011 - 8:43 am · Responder

    Muito oportuno este seu artgo!Melhor ainda por homenagear esta mulher brilhante que na sua humildade,construiu uma história de bondade e doação ao próximo.
    Apenas uma ressalva: a Dita nunca foi empregada do Machadinho,ela era minha companheira,que todos os dias estava comigo para ouvir minhas queixas e me fazer sorrir.
    Ela nos ajudava sim, e muito,mas fazia questão de não ser remunerada,queria apenas os produtos que seriam descartados,para doar a quem necessitava.
    Por esse motivo, que mesmo estando longe,não esqueço dessa amiga nunca e sempre que posso vou visitá-la e renovar a grande amizade que nos une.
    Parabéns por seu blog,não o conhecia,mas já estou amando!!!!

  • gastão ferreira
    21 de junho de 2011 - 5:32 pm · Responder

    Oi Marli Seabra… Estive hoje com a Dita e falei sobre o seu comentário, sabe o que ela me disse:- "Marli foi o único Anjo Bom que me socorreu quando perdi a segunda perna.Até roupa ela lavou para mim,ela sempre estará em meu coração."
    Parabéns, sinto orgulho em ter a sua amizade. Uma pessoa tão ocupada quanto você era, pois trabalhava das seis as vinte e duas horas, com cachorro, gatos, empregados, compras e vendas e jamais comentou sobre isso… Coisa rara nos dias atuais.Um beijo nesse coraçãozinho tão iluminado.

  • Deia
    26 de junho de 2011 - 9:07 pm · Responder

    Adorei a entrevista nasci na cidade de Iguape e hoje moro em Sao Paulo.
    Conheço esta mulher guerreira desde criança nosso bairro tem orgulho de Dita ,parabens pela reportagem .
    SP . DEIA

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