BEIRA DO VALO… CARTÃO POSTAL.
Dia de festa. A primeira grande obra do terceiro milênio no município finalmente estava concluída. Vinda de seu castelo no Jairê, a Princesa do Litoral adentrou a cidade através do magnífico Portal de acesso para a “Tombadinha”, apelido carinhoso pelo qual os moradores se referiam à cidade. Nossa Princesa nesse dia comemorava seus 473 anos de existência. Muito atenta, logo chamou a atenção de Josephus, seu velho secretário;
– Josephus! Parece que a caravana de serracimanos já chegou. Veja quantos cavalos junto ao Portal!
– Majestade! Há muito que não existem mais caravanas como antigamente. O que a senhora está vendo são as “roçadeiras biológicas” executando seu trabalho diário…
– Não acredito Josephus! Estão utilizando os animais para acabar com a grama que invade calçadas e meio fios das ruas?
– Sim! Isto é conhecido como parceria. Os donos das bestas não são multados, desde que as mesmas limpem os logradouros públicos gratuitamente.
– E aquela vaca faz o quê no meio dos cavalos? Será que também é uma máquina biologicamente correta de extermínio vegetal?
– Não alteza! Aquela ali é para o grande churrasco.
– Grande churrasco?
– O da inauguração da Repaginação Paisagística da Orla da Beira do Valo… A senhora reparou que os Urubus desapareceram? Foi tanto foguete na madrugada que o bando de abutres nem desceu das montanhas… O povão e a elite terão uma festa inesquecível!
– Oh! A minha elite, a minha corte! Gente acostumada a mandar e a ser obedecida na hora… Que saudade dos meus Coronéis do passado! Seus descendentes hoje são milionários…
– Com certeza Princesa! Basta notar o grande número de helicópteros e lanchas luxuosas ancoradas na orla do Valo…
– Josephus! Não gosto de piadinhas de mau gosto… Tudo bem! Se em Cananéia tem por que aqui não pode ter?
– Serão necessárias centenas de obras iguais a esta para a compra de um único helicóptero… A famosa elite, digamos, é um tanto pobre Majestade, mas pela fome em partilhar das coisas públicas, logo, logo, chegam lá…
– Fofocas caro serviçal! Meu sobrenome é Honestidade e meus filhos prediletos o herdaram de mim. Que cheiro horrível é este?
– É uma tubulação que lança dejetos humanos no Valo Grande…
– Isto é proibido! Isto é crime ambiental… Tem certeza?
– Sim!… Está ali, bem no fim da Rua João Bonifácio.
– Ninguém reclamou?
– Claro que sim! Alguém vai comprar a primeira lancha de luxo da cidade com o dinheiro economizado com a pilantragem…
– Vou fazer de conta que não entendi a mensagem! Vá devagar que mais a frente tem um poste no meio do caminho.
– Foi removido Majestade! Postaram uma foto dele em uma comunidade chamada “Iguape no Escuro” e o país inteiro ficou sabendo da solidão do coitadinho plantado bem no meio de uma movimentada avenida… Uma ONG de “Amigos dos Postes Solitários” exigiu e obteve um novo lugar para ele.
– Só por Deus! Esta imprensa quer mandar e desmandar, qualquer coisinha e reclamam… Adoram denegrir a cidade onde vivem!
– Não é bem assim Alteza! Todos amam esta linda cidade e a defendem com unhas e dentes dos desmandos de quem detém o poder e a chave do cofre… Não confunda! A imprensa não fala mal da cidade, apenas cobra as promessas eleitoreiras e serviço honesto e transparente das autoridades.
– Josephus! Você virou contestador? Onde se viu defender a plebe vil! Meu Bonje!
– É que eu também sou parte da plebe Majestade e gostaria de ver esta cidade mais limpa, mais segura, mais feliz…
– Oh meu Josephus! Sempre um sonhador… Vamos aproveitar a festança. Quero esquecer que tenho 473 anos, sou muito rica, fui roubada, enxovalhada, partilhada, explorada, corrompida, mas continuo sendo a Princesa do Litoral, a Única!
Gastão Ferreira/2011
Gastão Ferreira começou a publicar seus textos aos 13 anos. Reconhecido por suas crônicas e poesias premiadas, suas peças de teatro alcançaram grandes públicos. Seus textos e obras estão disponíveis online, reunidos neste blog para que todos possam desfrutar de sua vasta e premiada produção.