Ao menino Ranieri…

UM RIO CHAMADO RIBEIRA…

         Era
apenas um garoto de oito anos, seu pai um homem simples, um sitiante. Sua mãe
cuidava da casa, do marido, dos três filhos, do cachorro e do gato, lavava a
roupa no riacho, gostava de rir, era uma mulher humilde e feliz. Ranieri, o
segundo filho, tinha um cão chamado Feroz e que de feroz só tinha o nome, mas
que julgava ser o seu melhor amigo.
         Normalmente
as pessoas que vivem em bairros rurais são tímidas, um tanto arredias,
introspectivas. Com Ranieri ocorria o contrario, gostava de contar histórias e
os mais velhos se espantavam; – De onde esta criança tirou tanto converse? Do
rio! Dizia o garoto.
         Naquela
parte do terreno o Rio Ribeira nem parecia fluir, era como se estivesse tirando
uma soneca, águas claras, algumas árvores frutíferas na margem e muitos e
muitos pássaros entre as goiabeiras, os pés de araçás, as pitangueiras. Um
barranco bom para sentar e espiar as novidades. O casal de João-de-barro estava
construindo um novo ninho, os Tico-ticos estavam namorando, um Jacu solitário
procurava companhia, as garças brancas pescavam lambaris. O rio parecia dormir
e sonhar… Ranieri pendeu a cabeça sonolenta e o sonho chegou.
         Era o
mesmo rio tinha certeza, mas estava diferente… Viu um índio flechando um
peixe, depois passaram homens de roupas estranhas numa grande embarcação e com
muitos selvagens amarrados por grossas cordas, ouviu o canto triste dos
escravos africanos que seriam vendidos rio acima, os navios de passageiros, as
grandes barcaças carregadas de fardos de arroz… Soldados desciam e atentos
patrulhavam as margens, pescadores perseguindo cardumes de manjuba em plena
piracema.
         Ranieri
não entendia, estaria o rio contando a sua história, o que vivenciara através
dos séculos? Agora a mata era densa, um Saci veio rodopiando e parou bem na sua
frente, ele tinha um pé só. Um Curupira surgiu seguido de um Boitatá. O garoto
olhou para o alto e imaginou um vislumbre de Tupã e nos olhos do Pai de Todos
notou uma lágrima caindo sobre o rio. Anhangá gargalhou e Ranieri viu um homem
com um menino pela mão, era o seu avô e o menino o seu pai. Assustou-se e ao
espiar novamente, seu pai era um velho levando o corpo da esposa morta para ser
velado na capela do povoado… Seus olhos choraram a mãe morta e nem prestou
atenção quanto ele próprio veio com o filho até a margem do rio… Observou as carcaças
de animais mortos boiando nas águas de uma grande enchente, viu um rosto de
alguém que um dia amará, sentiu fome, tristeza, um vácuo sem nome, uma saudade
que ainda não chegou… Na alegria de amar curtiu o abraço do filho que virá…
Assistiu a velhice chegando e um imenso vazio chamado Morte gritando seu
nome… Acordou.
         O rio
era o mesmo, Feroz dormia num abandono feliz… O silencio chamava a atenção.
Os pássaros estavam calados e a tarde parecia envelhecida, ao longe, para além
do pé da serra, relâmpagos anunciavam a chuva noturna e o som vindo de tão
distante era idêntico ao gargalhar de Anhangá… Ah, os sonhos do rio! Ah, os
pesadelos do rio! O passado e o futuro se misturam quando o Rio Ribeiro conta a
sua história… Ranieri é um menino feliz, tão bom contador de histórias quanto
o rio que lentamente busca o mar para esquecer e renascer como chuva
eternamente… Um dia Anhangá será vencido e Tupã voltará a sorrir… Eu sei…
Eu vi… Foi o rio que contou.
Gastão Ferreira/2012  

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