Histórias do Rio Ribeira…

PAI MACÁRIO…

         Seu
Macário era uma pessoa bondosa, filho único cuidou com desvelado amor dos
velhos pais. Vivia do que plantava e do que colhia, possuía uma roça de
mandioca, um milharal, abóboras, tomates, cebolas, repolho e outros vegetais.
Criava galinhas somente para a cata de ovos, nenhum animal na ceva, nem porcos
nem cabras. Dividia sua companhia com um cão de nome Feliz que era incapaz de
matar um ser vivo. Talvez que Nulidade fosse o nome mais apropriado para o
melhor amigo do homem.
         Pai Macário
tinha muitos amigos, morava num casebre de pau a pique a margem do Rio Ribeira,
nunca pescou. Ele detinha um dom maravilhoso, era um curador. Espinhela caída, torcicolos,
lombrigas, coluna deslocada, dordolhos, tosse comprida e muito mais eram suas
especialidades. Encontrava objetos perdidos sem sair de casa, sabia onde estava
o corpo de um afogado e para isso usava de uma vela branca e um pedaço de
madeira. Fazia suas rezas secretas, benzia a vela e a colocava sobre uma
pequena tabua, depois qual barco de papel a lançava na água do rio. Onde
parasse ali estava o morto. 
         Nunca
aceitou procurar por corpos de crianças sumidas, se negava terminantemente a
fazer isto, alegando que os inocentes seguem direto para Deus. Recebia muitos
presentes por serviços prestados de bom coração, sapatos, mantimentos, roupas.
Uma vez recebeu um tênis que nunca usou. Foi envelhecendo envolto em um halo de
santidade. As cobras não o picavam, a onça não espiava a sua morada… Num
triste dia morreu. Do casebre solitário ninguém se aproximava, o fantasma de
Pai Macário rondava o velho lar.
         Feliz
atacou o menino com fúria de cachorro novo, bote certeiro bem na garganta. O
outro garoto escapou e contou em casa o que presenciou. Juntaram os parentes e
foram matar a fera. Apenas um cão velho saudoso do dono, um cachorro faminto
que não sabia caçar e que vivia enfurnado no barracão de remédios que Pai
Macário erguera não muito longe da casa, meio escondido na mata.
         Os
vingadores com suas velhas espingardas acertaram mortalmente Feliz. O idoso cão
conseguiu se arrastar até a casa dos remédios. Foram verificar se a besta fera
estava realmente morta. O barracão permanecia limpo, muitas garrafas com suas
poções milagrosas intactas, um fedor de carniça chegava do porão, do lugar onde
eram estocadas as ervas medicinais que salvaram tantos necessitados. Feliz se
escondera no porão.
         Foi
difícil acreditar, mas as ossadas eram todas de crianças, das crianças
desaparecidas e nunca encontradas. Seu Macário não comia carne de animais, sua
carne predileta e única era a tenra carne infantil. Durante sua longa vida
atraiu a curiosa molecada até seu barracão e ali os degolava, fatiava, salgava,
estocava e dela se alimentava. Feliz desde filhote se acostumara com aquele
petisco e na falta do dono fora caçar.
         A casa
foi queimada. Ficou nos olhos dos pais uma dor sem nome, uma saudade de abraços
nunca dados e a certeza de que nem todos os inocentes seguem diretos para Deus.
Muitos gritaram por socorro naquela casa no meio da mata, a casa do piedoso e
bom Pai Macário.
Gastão Ferreira/2012  

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