Histórias da Festa de Agosto…

APENAS UM ROMEIRO

         A cidade
estava em festa, centenas de barracas feitas de taquaras, ofereciam seus
produtos aos milhares de romeiros em sua visita anual. No entorno da Matriz a
fila para visitação ao Santo Protetor era imensa e dava voltas e mais voltas ao
redor da igreja. Rezas, procissões, ladainhas. Cavalos e cavaleiros
misturavam-se aos transeuntes, rojões troavam nos céus. No coreto da praça, os
fotógrafos eternizavam em fotos de monóculos as visitas. Os peregrinos e suas
devoções. Casas de família ofereciam a preços módicos banho e alimentação.
         Aline
pela primeira vez participou de uma romaria, chegou de longe para pagar sua
parte no trato da promessa. Sua mãe está salva e uma grande vela acesa em agradecimento
à graça alcançada. A noite procurou o Abrigo dos Romeiros para um merecido
repouso. O dinheiro veio contado e os hotéis caros.
         No salão
de refeição um jovem de boa aparência contava uma história, Aline prestou
atenção. Pequeno sitiante, uma epidemia de origem desconhecida devastava sua propriedade,
os animais morriam. Os veterinários não descobriam a causa da doença, uma
promessa ao Santo Protetor exterminara o estranho vírus. Veio a pé de muito
longe, carregando nas costas uma pesada cruz de madeira, estava cansado,
voltaria a pé, sem dinheiro para pagar uma condução se considerava um homem
feliz, sua fé era imensa e com certeza alguém o ajudaria a voltar para casa. Os
romeiros, comovidos com a sua história tão singela e pura, colocaram um bom
dinheiro na sua frente. O jovem agradeceu comovido, colocara a cruz na sala dos
milagres, a conta com o Santo Protetor foi zerada, amanhã retornaria feliz e
com a consciência tranquila para seu pequeno sitio.
         O jovem
pernoitou no albergue, chovia e a temperatura era baixa. Aline aceitou o vinho,
depois as carícias e depois se entregou ao desconhecido. Quando acordou o homem
havia partido. Não perguntou o nome do homem com quem repartira uma noite de
amor, uma garrafa de vinho, uma história singela contada a estranhos.
         Nove
meses depois, Jairo nasceu. Um menino saudável, risonho, esperto. Com o passar
do tempo começou a perguntar pelo pai, Aline não podia simplesmente contar que
se entregara de corpo e alma a um desconhecido em troca de um copo de vinho e
alguns beijos, logo ela uma mulher séria, uma beata que dera um mau passo.
         Aline
fez nova promessa, caso encontrasse o pai de Jairo daria um bezerro como prenda
para o bingo beneficente de sua paróquia. Urgia voltar aos pés do Santo
Protetor e homologar o pedido. Jairo estava com dezoito anos e queria porque
queria conhecer o pai.
         A cidade
estava diferente, ruas calçadas, as barracas eram de tecido, o coreto
substituído por uma cruz de pedra deixara a pracinha mais triste. Aline fez
questão de jantar no Albergue dos Romeiros. Ela e Jairo pernoitariam em um bom
hotel, queria mostrar ao filho o local onde pela primeira e última vez
encontrara o honesto e humilde sitiante a quem amara.
         No
albergue escolheram uma mesa pequena, muitos romeiros jantavam àquela hora e
Aline ouviu uma voz que jamais esquecera; – “Sou um humilde sitiante, um vírus
desconhecido exterminou meus animais, sem ter a quem recorrer fiz uma promessa
ao Santo Protetor… Vim de longe carregando uma pesada cruz de madeira,
depositei a cruz na Sala dos Milagres, amanhã volto a pé para casa, sem
dinheiro para pagar uma condução, mas feliz por ter pagado o prometido.”
         Aline
olhou o homem que contava a edificante história. Com aparência envelhecida,
feições de alcoólatra, poucos dentes, juntava avidamente o dinheiro que alguns
romeiros compadecidos lhe ofertaram. Aline pensou; – “Que safado! O mesmo
truque de dezenove anos passados. Ainda bem que nunca mais o vi, do que escapei
meu Bonje!”
         Aline
pediu uma garrafa do melhor vinho. Jairo estava desconsolado por não ter
encontrado o pai, mesmo assim curtiu a festança. Foram em todos os forrós,
bailinhos e bailecos, compraram muitos presentes para os amigos, tiraram fotos,
visitaram a Fonte do Senhor. Aline acendeu muitas velas ao Santo Protetor,
agradeceu por ter se livrado de uma fria e informou a Jairo que através de um
antigo conhecido, ficou sabendo que o pai de Jairo morreu há mais de quinze
anos, morreu sem saber que tinha um filho… Homem muito bom, humilde, honesto
e trabalhador… Que esteja em paz, ao lado de Nosso Senhor!
Gastão Ferreira/2012
        

Deixe um comentario

Livro em Destaque

Categorias de Livros

Newsletter

Certifique-se de não perder nada!