Morrer é voltar para casa…

A VOLTA

         Quando
eu parti vim sozinho. Meu ouro, minhas joias, meus bens ficaram na casa
abandonada. Trouxe os risos, as lembranças, muitas incertezas, rostos de
pessoas que conheci e partiram bem antes de mim, companheiros de viagem que de
alguma forma participaram de minha história.
         O mundo
era o mesmo, o mesmo sol, a mesma lua, as mesmas estrelas. No começo da jornada
eu estava confuso, caminhei como dentro de um sonho, o passo vagaroso, algumas
dores e um lento despertar para coisas sabidas e esquecidas. No fundo da
consciência surgiam imagens adormecidas, sabia que no fim da estrada havia um
portal.
         Não
estava só! Centenas de pessoas se utilizavam do mesmo caminho, algumas alegres
vindas do ponto de partida, outras tristes e cabisbaixas retornando. Quanto
mais andava mais minha memória se expandia. Recordei da criança que fui. Do
menino feliz, do adolescente confuso, do jovem, do homem, do velho. A vida
passava célere mostrando as lições aprendidas.
         O portal
estava aberto, vislumbrei a cidade que um dia abandonei para uma nova turnê
planetária. Percorri as ruas gramadas, passei por lagos e bosques, ouvi o som
de música distante. A casa era a mesma dos meus sonhos. Estava situada sobre
uma colina e dela se avistavam as montanhas e o mar.
         Na sala
bem iluminada notei meus antigos livros nas estantes, dentre eles a Ilíada de
Homero, Os Diálogos de Platão, O Livro dos Mortos do antigo Egito, tratados de
mitologia, filosofia, geografia, história universal. Sabia que no andar
superior ficava um escritório, o local de meu trabalho, o coração da casa.
         Ainda um
tanto fragilizado abri os arquivos. Mil pastas e em cada pasta uma história,
minha história pessoal através do tempo, minhas viagens ao planeta Terra. Coloquei
um estranho capacete na cabeça e apertei a tecla “Entre” e as imagens jorram
feito cascata. Alguém partindo daquela casa, alguém diferente e igual a mim. O
portal, a estrada, um berço. Olhos que não eram os meus se abrindo para uma
realidade tridimensional… Um filme com inicio, meio e fim… Salvei.
         Apenas
mais uma pasta em meu arquivo cármico. Fim de um passeio de aprendizado, um
nome para acrescentar aos anteriores. Minha mente estava vazia, esquecida de
mim. Sai para o terraço e fitei o mar, as brancas areias de Helion, minha
cidade cósmica, falavam de paz… Quanto tempo durou a última viagem? Setenta
oitenta anos? Um sopro na eternidade do meu eu… Um novo nome no meu arquivo
vida!
         Amanhã
encontrarei os velhos amigos, aqueles das excursões antigas, os que ficaram.
Contarei do que aprendi. Da saudade que carreguei, dos sonhos realizados, das
dores e das alegrias. Agora é o retornar à casa ancestral, hora das conclusões,
hora de reaprender a viver, de reencontrar a realidade quase esquecida e esquecer-me
de mais um nome que me dei. Um nome que será apenas uma referência no meu
arquivo de infinitas vidas.
Gastão Ferreira/2012

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