Nunca se sabe…

DITINHO BOY

         No ano
do Senhor de 2012, o problema da mendicância na cidade era terrível, os jornais
informativos nem tocavam no assunto. Cidade Tombada, Patrimônio Nacional, Defensora
do Verde e berço da civilização brasileira. Milhares de turistas passeavam por
suas velhas calçadas, se extasiavam com os antigos casarões. Com ruas limpas e
arborizadas, era o encanto dos visitantes. Tudo isso dizia a propaganda
oficial.
         A
centenária cidade tivera muitos apelidos, alguns carinhosos e outros nem tanto.
Princesinha do Litoral, Pindaíba, Tombadinha, Fogueteira, Mata Árvores,
Dengosinha, Urubu-city e o último “A cidade das lombadas”. A cidade das belas
lixeiras tinha as ruas mais sujas da região.
         Os
turistas normalmente eram recepcionados por bandos de pedintes. Entre os
mendicantes havia desde travestis a garotas de programa, a maioria jovem e
quase todos alcoólatras. Os mandantes da cidade pareciam nem notar a existência
destes seres marginalizados que impediam o desfrute das belezas naturais que
enfeitavam a cidade. Nos pontos turísticos havia sempre um nóia, um drogado, um
mendicante a não dar sossego ao passeante.
         A
desculpa das autoridades era que os pedintes tinham o direito de ir e vir…
Não explicavam se detinham ou não o direito de fazer sexo nos logradouros
públicos, defecar nas calçadas, urinar nas portas das casas, achacar velhinhas
e crianças para conseguir uns trocados, xingar as pessoas e afugentarem aos que
faziam caminhadas pela magnífica orla marinha.
         Era um
ano eleitoral… Nenhum candidato ousara tocar no assunto “pedinte”. Foi
Ditinho Boy o primeiro a tratar da matéria ao sugerir a entrega total do Centro
Histórico, Orla do Mangue e Santa Casa em usufruto aos mendicantes… Foi
eleito em razão da brilhante ideia.
         Hoje,
Agosto de 2018, a antiga cidade está irreconhecível. Montes de lixo entulham as
ruas, matilhas de cães patrulham em busca de alimento, a orla do lagamar
totalmente assoreada, a Fonte voltou ao estado selvagem, os casarões tombados
finalmente tombaram de vez. Em torno da admirável Cruz de Pedra os herdeiros da
Princesa fazem fogueiras e contam histórias. A famosa Passarela sem luz ruiu de
vez, a Barragem foi detonada e a velha cidade virou uma ilha. Não existem mais
pedintes nem mendigos, os moradores de rua não tem a quem solicitar favores e o
problema foi solucionado. Os politiqueiros continuam fazendo a festa, soltando
rojões e afirmando que nada mudou.
         Ditinho
Boy foi reeleito prefeito da nova cidade chamada Rocio. Uma cidade voltada para
a indústria pesqueira, com centenas de microempresas volvidas para o ramo de
confecção, uma cidade sem foguetes, mas com muita disposição para crescer.
         O lema
da nova cidade é; – “Quem não trabalha não come.” Este refrão causou polêmica,
mas os Pastores e Padres explicaram direitinho aos menos atentos. Quando Deus
expulsou Adão e Eva do paraíso instituiu uma lei ao determinar que o casal e
seus descendentes comeriam o pão com o suor de seus rostos e ponto final… Não
quer trabalhar? Não come!
         Foi
assim que morreu a velha Princesa… O homem passeia pelo espaço sideral,
visita o fundo do mar, descortina novos horizontes, constrói magníficas
estradas, navega pelo céu, vence as mais terríveis epidemias, mas não conseguiu
dar um jeito em quarenta seres que lentamente trouxeram a decadência a uma
cidade.
         No
começo eram poucos e ninguém ligou, depois vieram os drogados abandonados pelas
famílias, os alcoólatras e pequenos ladrões. Os habitantes da cidade com medo
não saíam à noite, as crianças pararam de brincar nas ruas, os turistas não
voltaram mais, os comerciantes reclamavam e não eram atendidos, acabaram
fechando seus negócios no centro histórico e se mudaram para as vilas… O
tempo de Ditinho Boy está próximo.
Gastão Ferreira/2012
(Nota; – Qualquer semelhança é mera especulação…
Este texto é ficção e fora de nossa realidade.)    
             
        
           

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