Sei não!…

BRANCA DE IGUAPE

         Em pleno
ano da graça de Nosso Senhor de 1809, Branca de Iguape desapareceu
misteriosamente. Herdeira da abastada família Pontes Bandeira, proprietária de
engenhos, navios, sítios e escravos, era a fortuna personalizada. Seus amados pais
gastaram rios de dinheiros à sua procura. Açoitaram, mataram e torturaram seus
muitos escravos tentando descobrir se sabiam de algo. A donzela nunca foi
encontrada…
         Em pleno
ano, sem muita graça de 2013, Branca apareceu branca de susto na Praça da Basílica,
longos cabelos, vestindo a moda do século XIX, falando um português
arcaico.  Faminta e desesperada pedia
auxílio. Alguns transeuntes pensavam ser uma nova moradora de rua recém-chegada.
Outros uma encenação para chamar turistas e poucos acreditavam que a rapariga
fosse uma nóia em surto psicótico.
         Acampou
junto aos numerosos pedintes que haviam se apossado da Orla do Mangue. Ganhou o
tão famoso “passe livre” para fazer tudo o que lhe desse na telha sem ser
importunada e outro “passe cidadã” que lhe dava o direito de azucrinar
turistas, achacar velhinhas e utilizar as calçadas da cidade como latrina.
         Ao grupo
de moradores de rua, Branca contou uma triste história. O ano era 1809, disso
tinha certeza, pois D. João VI chegara com a corte imperial um ano antes, seu
pai soltara muitos rojões em comemoração à vinda do rei ao Brasil. A cidade
esperava as graças do imperador para construir um Valinho Comprido para ligar o
Mar Pequeno ao Rio Ribeira e foi nesse ano que algo muito estranho aconteceu.
         Na tarde
de oito de setembro de 1809, após assistir as missas das sete, das oito e das
nove da manhã, ter espancado cinco vezes uma escrava desobediente que teimava
em nunca acertar o que a sinhazinha estava pensando, dirigiu-se ao sitio
conhecido como “Caverna do Ódio” e foi adentrando o túnel sombrio. Uma
sonolência tomou conta, ela dormiu e acordou nesse mundo que não entende. Que
pensa ser um pesadelo, um sonho ruim.
         A cidade
que recorda era pequena, ruas de terra sempre limpa, bons pelourinhos,
chafarizes fornecendo água límpida da Fonte de Cima, vendedores ambulantes de
porta em porta entregando o leite e verduras do dia. Um porto com muitos
navios, pessoas bem vestidas e ao longe a orla da ilha.
         Com
certeza estava tendo um horrível pesadelo, acordara num mundo em que as
carroças não possuíam cavalos para puxá-las, caixas falavam e mostravam imagem
de pessoas desconhecidas, a noite era iluminada por pequenos sóis sobre postes,
pássaros de ferro voavam nas alturas, os casarões estavam em ruínas, a igreja
estava concluída e na montanha havia alguém sempre de braços abertos… Coisa
de doidos! A comida não era mais a mesma, a fala difícil de entender, o sobrado
onde vivera não mais existia, do belo porto nem sombra! Onde estão os escravos?
A plebe vil que a olhava submissa? A elite de nariz empinado e com cara de nojo
aos menos favorecidos? Todos sumiram! Escafederam-se!
         Ninguém
acreditava em sua fantástica história; – “O que faz uma boa pedra!” diziam.
Branca sofria com o desdém dos moradores da cidade, parecia que virara um
fantasma, uma nuvem, uma pedra de rua. Acostumada com o bom e o melhor, agora
comia sobras que encontrava em sacos de lixo, dormia ao relento e banho, nem
pensar… Vai ver morrera e estava no inferno! Padre Theophilo sempre explicara
que o inferno era para os pobres, os que não davam esmolas, aos ignorantes da
palavra do Senhor.
         Branca
passava horas admirando a fascinante Cruz de Pedra, o encantador monumento que
atrai milhares de turistas à cidade, tinha certeza que já vira aquela belíssima
cruz em outra época e era tal fato que não a deixava enlouquecer. Um dia,
cansada e fedida, foi rever a “Caverna do Ódio” e nunca mais voltou.
         Escrevi
a estranha história de Branca de Iguape, na verdade não tenho certeza se a moça
era muito criativa e inventava tais fatos para ganhar alguns trocados, ou, dormiu
por duzentos anos como afirmava… Deixo registrada sua lenda, quem sabe num
futuro muito, muito distante ela reapareça. Ela me presenteou com uma moeda, um
patacão do século XVIII, disse que em sua época era com essa moeda que comprava
rebuscados no emphorio da rua da palha… Sei não!
Gastão Ferreira/2012 
    
        
            

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