O temível Conde Phat…

UM PASSO ALEM DO JARDIM…

Marisol era uma garota privilegiada. Como não ser feliz se vivia em uma cidade tombada, com o patrimônio histórico e artístico totalmente preservado? Indagava a seu cãozinho Junior Sapeca e o cachorro abanava o rabo e fazia-lhe mil festinhas.
Seu pai, o poderoso e nobre Conde Phat, era cuidadoso com seu feudo. As casas coloniais pintadas gratuitamente nas cores originais, calçadas de pedras seculares com seus encaixes perfeitos, evitando tombos e quedas… Nunca ninguém teve a coragem de perguntar ao nobre e ranzinza Conde Phat como ele sabia qual a cor original dos prédios antigos, a fotografia colorida foi inventada no século XX e as casas preservadas são do século XVII… Eu hein!
Um dos passatempos prediletos de Marisol era brincar no grande jardim público, conhecido como a Fonte do Senhor, o local era deveras aprazível, com suas águas cristalinas, lago com muitas espécies de peixes nativos, estátuas, quiosques, onde se respirava parte da história da cidade… Seu riquíssimo tio, o senhor Iphan, que metia o nariz em tudo que fosse relacionado com patrimônio histórico, lhe contara que muitas das árvores do grande jardim foram transplantadas diretamente da velha Praça da Matriz para a Fonte do Senhor. Na antiga Praça existiu um orto florestal com plantas exóticas. Prometeu levar a sobrinha para conhecer todas as árvores, pois elas possuíam uma placa indicando o país de origem.
A cidade contava com cinco chafarizes públicos e a menina Marisol acompanhava a escrava encarregada de buscar a água. Muitas vezes a fila era tão longa que ficavam horas na espera da vez. Nesse local se sabia das novidades e das fofocas; – “Nhá Gardina, muié do coroné Aristides, bateu de cinta na sinhazinha Mathilde onti à noitinha… Nhanhá suspirou ao ver da janela o garboso mancebo Othoniel… Hi, aí tem dente de cuelho!”
Marisol foi proibida de assistir aos açoites dos escravos no pelourinho, era muito infantil e poderia não entender o porquê das autoridades gostarem tanto de espancar os cativos, no burgo existiam cinco pelourinhos e aja chicotada…
Pela manhã acordava cedinho, o mais tardar às seis horas, também como dormir com o festival de sinos badalando enlouquecidos, era três igrejas, bem próximas uma das outras, competindo na barulheira.
Antes do café matinal acompanhava sua mãe à missa, na volta tomavam o desjejum, pois a senhora sua mãe comungava e se confessava diariamente… A menina Marisol não entendia o porquê de tanta confissão. Sua genitora era uma alma pura e humilde. Espancava a criadagem, mas surrar escravos não era pecado e sim uma forma de educá-los.
A cidade em que Marisol cresceu era muito rica, possuía um grande porto, tirando a elite que sempre viveu de nariz empinado e fazendo cara de nojo para com os pobres, as pessoas eram hospitaleiras e festeiras… Uma localidade para ninguém por defeitos. A história de Marisol data do final do século XIX, a cidade cresceu, a escravidão acabou. O progresso fugiu e o tempo levou para o esquecimento todos os sonhos… Para alem do jardim, os fantasmas do senhor Conde Phat e de seu irmão, o senhor Iphan ainda tentam dominar a cidade com promessas invisíveis. A um passo alem do jardim a realidade é outra, os antigos casarões desmoronam, os pelourinhos desapareceram, os chafarizes foram para o lixo… A parte boa dessa história é que nhanhá Mathilde fugiu com o garboso mancebo Othoniel e foram felizes para sempre.

Gastão Ferreira/2012

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