Outra lenda urbana

A MULHER DE PRETO…

Meu pai não gosta que seus filhos participem de comícios; -“ Pura perda de tempo! Um falar mal da vida alheia que não leva a nada. Um perigo essa mania de ficar caminhando a noite pelas ruas desertas da cidade, perguntem à sua avó o que aconteceu com nosso primo Dito Mandinga quando resolveu assistir a todos os comícios em uma única noite…”
Nunca devemos duvidar, diz minha sensata avó, muitas coisas acontecem entre a Fonte do Senhor e a Passarela, entre o Mar Pequeno e o Porto do Ribeira… Assim Dona Maricota começa mais uma lenda urbana; – “Meu sobrinho Dito Mandinga, aquele que quase foi raptado por um disco voador no Morro do Pinheiro, o mesmo que foi atacado por um Lobisomem no Caminho do Porto, ele pode confirmar que assistir a três comícios numa mesma noite pode se transformar num pesadelo… Vamos aos fatos!”
A noite estava esplêndida! Céu estrelado, vento leste soprando e rojões chamando o povo para muitos comícios, Dito Mandinga, jovem pescador de vinte anos dirigiu-se ao Canto do Morro a fim de prestar atenção nas propostas de Sir Ney, um dos candidatos ao cargo de prefeito. Entre as barraquinhas de milho verde, pipoca, doces e salgados, cerveja em lata, batidas e sucos, churrasquinhos e tapioca, notou que uma garota o olhava com interesse… Longos cabelos negros, vestido longo, pele alva de quem não toma sol com frequência… “Uma serracimana” pensou Dito. Tentou uma aproximação, mas no entrevero da multidão acabou não encontrando a moça. Por um bom tempo a procurou, a rapariga havia desaparecido sem deixar rastro… Dito resolveu assistir a outro comício.
Próximo a Passarela do Rocio, Antony Rios mostrava ao que veio, o povo atento aplaudia e os vendedores de picolé, xurrus, pamonhas, raspadinha, água de coco e batidas faziam a festa… Dito deu de cara com a garota de longos cabelos negros, dessa vez notou que seus olhos eram tristes, a garota como que assustada fugiu entre a multidão e depois de muita procura em vão, Dito um tanto desgostoso se dirigiu ao último comício no Porto do Ribeira.
Mandinga seguiu pela avenida principal, aquela que tem três nomes diferentes… No comício do “estrangeiro”, assim chamado porque o candidato não era do Brasil e sim da França, Dito reencontra a moça de olhar tristonho. Era muita coincidência! Pelo jeito tinham algo em comum, ambos gostavam de comícios, dessa vez nem notou a oferta de caipirinha, espetinho de frango, linguiça na brasa e quentão, foi direto na rapariga sem dar tempo para uma nova fuga.
Dito, que em cada comício provava dos comes e bebes, a essa altura do percurso já estava para lá de Cananéia, ou seja, torrado! Com aquele jeitinho tão caiçara de ser se ofereceu para mostrar a Orla do Valo à menina “de fora”… A garota era deveras diferente, quase não falava… Foram andando pela nova ciclovia e no escurinho da paisagem Dito, sem querer querendo, pegou na mão da acompanhante… A mão era gelada! Nesse momento ouve uma transformação… A moça virou a cabeça em direção à água e puxou com terrível força Dita Mandinga para a beira d’água, o vento parou de soprar e Dito horrorizado notou uma tremenda transformação na acompanhante… Seu belo rosto era uma caveira e a veste longa cobria um esqueleto de frágeis ossos brancos… Era a Morte tentando levar Dito Mandinga consigo.
Dito a muito custo conseguiu se desvencilhar, aprendeu a lição e nunca mais assistiu a três comícios numa mesma noite, concluiu vovó Maricota com aquele ar misterioso de quem sabe de muitas coisas e guarda segredos desconhecidos de bicho que vira homem, mulheres sereias que atraem quem passa depois da meia-noite pela Orla do Mangue, cachorros que pedem informação a passantes de dentro da escuridão… Muitas coisas acontecem após o escurecer entre a Fonte do Senhor e a Passarela, entre o Mar Pequeno e o Porto do Ribeira… Todo o cuidado é pouco! Vamos dormir que amanhã é outro Dia.

Gastão Ferreira/2012

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