Nossas lendas urbanas….

A MOÇA DA CORTINA

Na década de 1870 vivia na Praça da Matriz um rico senhor de engenho. Seus numerosos escravos se referiam ao patrão como “Nosso amo e senhor” e os bajuladores da época diziam apenas “nosso mestre”. Seus devedores o chamavam “o escroque”, o populacho de Seu Zinho e os mais esclarecidos de tirano, corrupto, sacripanta, aproveitador, amoral e outros apelidos menos carinhosos.
Seu Zinho, diziam, tinha parte com o Tinhoso. Seu tataravô fez um pacto com Satanás, todos os componentes da família teriam do bom e do melhor enquanto vivos, mas depois de mortos seus espíritos permaneceriam na casa para atraírem desatentos turistas para as hostes infernais. O casarão estava lotado de almas penadas.
Nos grandes festejos anuais sempre desaparecia alguém misteriosamente… Ninguém atinava o porquê de uma pessoa sumir sem deixar rastro e então, aconteceu que um rapaz muito casto e correto afirmou em confissão que uma donzela acenava eroticamente para ele da janela de um casarão. O padre ficou horrorizado com o aceno erótico e ordenou de imediato, ao jovem mancebo, um banho de água benta. Após o banho, quando o moço passou frente à janela, notou que por trás da cortina de renda uma caveira o fitava com olhos flamejantes; – Morreu na hora!
O padre descreveu a estranha história ao sacristão e pediu sigilo. O sacristão narrou à esposa e pediu segredo absoluto. A esposa contou a costureira e costureira espalhou para toda a cidade. Quem passava alcoolizado frente da casa, depois da meia noite, ouvia gritos de escravos sendo espancados… Via figuras por trás da cortina fazendo gestos chamativos e sensuais… Um vulto acenava e mostrava ao incauto a porta de entrada do casarão, era a famosa assombração da “moça da cortina”.
Com o passar do tempo e com a chegada de algumas novidades, tais como luz elétrica, fogão a gás, água encanada, geladeira, rádio, gramofone, vitrola, rua asfaltada, poste de iluminação pública, bicicleta, telefone, carro, moto, fita cassete, gravador, máquina fotográfica, filmadora, televisão, forno de micro-ondas, computador, as lendas urbanas perderam a vez. Quem ficaria inventando histórias de assombração? Melhor assistir uma novela, um filme alugado, fofocar no Face Book.
No carnaval de 2013, um jovem turista de nome Wilson, desconhecedor de nossas lendas urbanas, após milagrosamente se livrar de três “boa noite cinderela”, dois sequestros relâmpagos, uma surra dos componentes do mini-bloco carnavalesco “ Os sobrinhos machos da tia Dorothéa” e alguns sopapos dos integrantes do bloco “Litraço amigo”, jura que viu por entre as cortinas do velho casarão, o vulto de uma mulher… Uma mulher fantasiada de alma penada… Uma madame a espera de um beijo de um desconhecido… Uma dama a procura de uma aventura passageira e inconsequente…
Ao contar a história, foi perguntado o porquê de não dar atenção à moça da janela e o turista respondeu; – “Com tantas minas bonitas eu jamais daria chance para alguém da melhor idade me abusar! Tá loco… Ei quero mais é sair no bloco do Tatu… Eu hein!”
Assim acabou mais uma lenda urbana… Satã botou seu bloco na rua e o preço de uma alma baixou no mercado… Uma cerveja em lata, um cigarro, um sorriso, um brilho no olhar… A promessa de um amor passageiro… São mil opções.

Gastão Ferreira/2013

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